Conceitos Preliminares

O que é Controle de Constitucionalidade?

Uma dica para nunca nos esquecermos da lógica que existe por trás do controle de constitucionalidade é pensarmos no corpo humano e em como ele funciona. Todas as vezes em que ficamos doentes, nosso próprio organismo fabrica uma determinada quantidade de anticorpos para tentar expulsar o micro-organismo causador dessa situação.

O controle de constitucionalidade não foge a essa ideia: o ordenamento jurídico é o corpo, e a inconstitucionalidade é a doença. E como faremos para expulsar essa inconstitucionalidade de um ordenamento que, em regra, deve comportar somente normas adequadas à Constituição? Fabricando “anticorpos”, ou seja, o controle de constitucionalidade das normas. 

Assim, o controle de constitucionalidade é um instrumento pelo qual se verifica a conformidade das normas infraconstitucionais com a Constituição Federal. Havendo inconformidade, retira-se do ordenamento esta norma inconstitucional. 

Essa lógica se baseia na ideia de supremacia constitucional, tanto em sua faceta material quanto formal. Sob o aspecto material, a Constituição possui supremacia de seu conteúdo em relação às normas infraconstitucionais, o que é totalmente esperado, já que o objeto das constituições é a consagração dos fundamentos do Estado de Direito: os direitos fundamentais, a estrutura do Estado e a organização dos poderes. Isso quer dizer, em outras palavras, que as normas contidas na Constituição precisam ser observadas no momento de elaboração de outras normas, para que estas não sejam incompatíveis com o conteúdo constitucional. 

E isso ocorre em razão da supremacia formal da Constituição, que existe porque as normas constitucionais, para serem formadas e alteradas, precisam de um processo muito mais complexo do que é necessário para as leis. Assim, as normas da Constituição são hierarquicamente superiores porque sua forma de elaboração e modificação é bem mais burocrática. Cria-se uma lei muito mais rapidamente e com menos burocracia do que se cria uma Constituição ou uma emenda. 

A conclusão é que, no controle de constitucionalidade, a norma a ser “atacada” pelo ordenamento jurídico é aquela que não observou a hierarquia e está em desacordo com a forma que a Constituição determina para ela ou em desacordo com o conteúdo das normas constitucionais.

Pressuposto

Como vimos, só podemos falar em controle de constitucionalidade em um ordenamento jurídico cuja Constituição detenha a supremacia, hierarquia superior em relação às demais normas, e também seja rígida, ou seja, seu procedimento de alteração seja muito mais complexo do que as normas infraconstitucionais, como é o caso do Brasil – que requer emendas constitucionais. 

Quem criou o controle de constitucionalidade? 

Considera-se que o controle de constitucionalidade foi criado nos Estados Unidos, no ano de 1803, no caso Marbury x Madison, em que o juiz Marshall se baseou na Constituição estadunidense para dar sua decisão na Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Podemos citar outros precedentes estadunidenses nos quais o controle de constitucionalidade foi exercido: Hayburn’s Case (1792) e Hylton’s Case (1796). Na Inglaterra, há quem mencione o caso do juiz Sir Edward Coke que, em 1610, já exercia o controle de constitucionalidade difuso – Common Pleas (espécie de tribunal). 

A Inconstitucionalidade

Inconstitucionalidade por ação

A inconstitucionalidade por ação decorre de condutas comissivas (facere), um fazer, contrárias a preceitos constitucionais. Portanto, quando o Poder Público age de forma incompatível com a Constituição, ele está praticando uma inconstitucionalidade por ação. Ela pode ser de dois tipos: 

  • Formal: é aquela que viola um procedimento previsto na Constituição para a formação de uma norma. Por exemplo: se para uma lei ser aprovada, a Constituição determina que é preciso um quórum de X congressistas e, no momento de aprovação, o quórum era a metade de X, há um vício de procedimento que torna essa lei inconstitucional. 
  • Material: essa inconstitucionalidade viola um princípio constitucional, o coração da constituição. Por exemplo: a Constituição determina que todos são iguais perante a lei, não havendo qualquer distinção por conta de raça, gênero, orientação sexual, classe social, etc. Se uma lei determina que pessoas negras não poderão adentrar um estabelecimento comercial, pois ele é exclusivo para pessoas brancas, essa lei possui um vício material e é inconstitucional. 

Inconstitucionalidade por omissão

Ocorre quando não são adotadas (non facere ou non praestare), ou adotadas de modo insuficiente, as medidas necessárias para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais carentes de intermediação. Essa inconstitucionalidade é um fenômeno novo, que surgiu no Brasil apenas com a CF/88. Basicamente, estamos diante de uma inconstitucionalidade por omissão quando há um dispositivo constitucional de eficácia limitada que não tenha sido regulamentado posteriormente. Mas o que isso quer dizer? 

Vamos entender com um exemplo: o art. 37, VII da Constituição Federal dispõe sobre o exercício do direito de greve dos servidores públicos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; 

O constituinte repassou ao legislador ordinário a tarefa de regulamentar, em lei específica, como se dará o exercício do direito de greve dos servidores públicos. Acontece que, até hoje, essa norma não existe. Estamos diante, portanto, de uma inconstitucionalidade por omissão. 

Para saber mais

Você sabe o que é erosão da consciência constitucional? Criada por Karl Loewestein, essa erosão ocorre quando o legislador se abstém de cumprir o dever de legislar, violando a integridade da constituição. É um fenômeno no qual a indiferença dos Poderes Públicos em relação à Constituição cria um efeito psicológico na sociedade. Cria-se uma espécie de atrofia da consciência constitucional. É como se fosse retirada a força normativa da Constituição Federal, pois o legislador não cumpriu seu papel. 

Quando o parlamento se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, viola a própria integridade da constituição, estimulando o preocupante ‘fenômeno da erosão da consciência constitucional’. A indiferença dos destinatários do poder perante a Lei Fundamental, anota Karl Loewenstein (1970), consiste em uma atitude psicológica capaz de conduzir à atrofia dessa consciência. (STF – ADI 1484 DF, Relator: Min. Celso de Mello; Data de Julgamento: 21/08/2001; Data de Publicação DJ 28/08/2001). 

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