Crimes Contra a Vida - Aborto

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Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Agora estudaremos o crime de aborto previsto no art. 123 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 -
Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:  (Vide ADPF 54)
Pena - detenção, de um a três anos.

Vejamos a classificação desse crime:

  • Bem jurídico tutelado: vida humana intrauterina (diverge do homicídio, em que protege-se a vida extrauterina).
  • Sujeito ativo: autor do crime é a própria mulher grávida. Doutrina divide-se em classificá-lo como crime próprio (que exige qualidade especial do agente mas que permite coautoria) ou crime de mão própria (crime que só consegue ser praticado por determinado tipo de agente, de modo que não permite coautoria).
  • Sujeito passivo: é o ser com vida intrauterina (óvulo, embrião ou feto). Se houver mais de um feto (gêmeos, trigêmeos, etc.), considera-se concurso formal de crimes.
  • Conduta (objetividade): o crime permite dois tipos de conduta – provocar em si o aborto (auto-aborto) ou consentir que outra pessoa o provoque.
  • Subjetividade: exige o dolo; não há previsão de conduta culposa.
  • Consumação: consuma-se com a morte do ser intrauterino sendo, assim, crime material. Admite a tentativa, por ser delito plurissubsistente (com pluralidade de condutas).
  • Ação Penal: pública e incondicionada.

Modalidades de aborto permitidas

Modalidades Atípicas

Existem algumas modalidades de aborto atípicas, que não se encaixam no tipo penal previsto no CP, ou seja, que não constituem crimes.

  • Aborto natural ou espontâneo: é aquele oriundo de causa decorrente de processo fisiológico espontâneo do organismo feminino.
  • Aborto acidental: deriva de causas exteriores traumáticas e não propositais. Exemplo: acidente de carro provocado por outrem.
  • Aborto culposo: é o aborto que resulta de culpa: de uma conduta imprudente, negligente ou imperita. Exemplo: acidente de carro causado pela velocidade excessiva da gestante.

Modalidades Típicas

Algumas modalidades são tipificadas no Código Penal, mas o próprio texto legal as excluem da punição, vejamos:

Aborto terapêutico
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto sentimental
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Entendimento do STF sobre o tema

A anencefalia é uma condição na qual o bebê nasce com o cérebro subdesenvolvido e sem a calota craniana, o que acarreta, na grande maioria dos casos, morte do recém-nascido em alguns dias ou poucos meses.

O Supremo Tribunal Federal, em 2012, na ADPF 54, decidiu que a interrupção de gravidez de feto anencefálico não deve ser considerada aborto. Considerou o Ministro Marco Aurélio na ocasião que:

 "O anencéfalo é um natimorto. Não há vida em potencial. Logo não se pode cogitar de aborto eugênico, o qual pressupõe a vida extrauterina de seres que discrepem de padrões imoralmente eleitos.”

"Mostra-se um equívoco equiparar um feto natimorto cerebral, possuidor de anomalia irremediável e fatal, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, a um feto saudável. Simplesmente, aquele não se iguala a este. Se a proteção ao feto saudável é passível de ponderação com direitos da mulher, com maior razão o é eventual proteção dada ao feto anencéfalo."

"Está em jogo o direito da mulher de autodeterminar-se, de escolher, de agir de acordo com a própria vontade num caso de absoluta inviabilidade de vida extrauterina. Estão em jogo, em última análise, a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres. Hão de ser respeitadas tanto as que optem por prosseguir com a gravidez – por sentirem-se mais felizes assim ou por qualquer outro motivo que não nos cumpre perquirir – quanto as que prefiram interromper a gravidez, para pôr fim ou, ao menos, minimizar um estado de sofrimento."

"Vale ressaltar caber à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez. Cumpre à mulher, em seu íntimo, no espaço que lhe é reservado – no exercício do direito à privacidade –, sem temor de reprimenda, voltar-se para si mesma, refletir sobre as próprias concepções e avaliar se quer, ou não, levar a gestação adiante. Ao Estado não é dado intrometer-se."

Aborto provocado por terceiro

Provocar aborto sem o consentimento da gestante

O crime de aborto provocado por terceiro está previsto no art. 125 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).

Aborto provocado por terceiro
Art. 125 -
Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.

Exemplo: Agente "A" atira com animus necandi contra Maria, que está grávida. Maria sobrevive mas, após trabalho de parto forçado, o bebê nasce morto.

Vamos ver a classificação desse tipo penal.

  • Bem jurídico tutelado: vida humana intrauterina.
  • Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa, exceto a gestante, de modo que é crime comum.
  • Sujeito passivo: há duas vítimas - o ser com vida intrauterina (óvulo, embrião ou feto) e a gestante.
  • Conduta (objetividade): o crime caracteriza-se pela interrupção da gravidez, violenta e desnecessária, sem o consentimento da gestante.
  • Subjetividade: exige o dolo; não há previsão de conduta culposa.
  • Consumação: consuma-se com a morte do ser intrauterino, sendo assim crime material. Admite a tentativa, por ser delito plurissubsistente (com pluralidade de condutas).
  • Ação Penal: pública e incondicionada.

Provocar aborto com o consentimento da gestante

O crime de aborto provocado por terceiro está previsto no art. 126 do Código Penal, situado no Capítulo I (Crimes contra a vida).

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: 
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Vejamos a classificação desse tipo penal:

  • Bem jurídico tutelado: vida humana intrauterina.
  • Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa, de modo que é crime comum. Pode haver concurso de agentes em coautoria e participação.
  • Sujeito passivo: o ser com vida intrauterina (óvulo, embrião ou feto).
  • Conduta (objetividade): o crime caracteriza-se pela interrupção da gravidez desnecessária com o consentimento da gestante.
  • Subjetividade: exige o dolo; não há previsão de conduta culposa.
  • Consumação: consuma-se com a interrupção da gravidez, sendo assim crime material. Admite a tentativa, por ser delito plurissubsistente (com pluralidade de condutas).
  • Ação Penal: pública e incondicionada.

Formas qualificadas de crimes de aborto

Embora o título do art. 127 fale em formas qualificadas, na verdade, ele prevê causas de aumento da pena dos crimes dos arts. 125 e 126 (aborto provocados por terceiro, com e sem o consentimento da gestante). Qual a diferença?

  • Qualificadoras: aumentam a pena-base no crime, de modo que influenciam na primeira fase de dosimetria da pena.
  • Causas de aumento de pena: aumentam a pena na segunda fase de dosimetria da pena.

Vejamos então quais as hipóteses de aumento, chamadas pelo CP de formas qualificadas do art. 125 e 126.

Forma qualificada
 Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Ou seja, se as condutas resultarem, para a gestante:

  • Lesão de natureza grave: a pena é aumentada em 1/3 (segunda fase de dosimetria da pena).
  • Morte: a pena é duplicada (segunda fase de dosimetria da pena).

 

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