Periclitação da Vida e da Saúde

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Perigo de contágio venéreo

Vejamos agora os crimes dos artigos 130 a 132, do Capítulo III (Da periclitação da vida e da saúde).

Prevê o art. 130 do CP:

Perigo de contágio venéreo

Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º - Somente se procede mediante representação.

Vejamos sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: incolumidade física, saúde e vida da pessoa.
  • Sujeito ativo: em geral, é considerado crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. 
  • Sujeito passivo: qualquer pessoa, independentemente da capacidade e do consentimento para realizar o ato sexual.
  • Condutas (objetividade): neste crime, o agente, sabendo ou devendo saber de sua doença venérea, mantém qualquer espécie de contato físico sexual ou libidinoso sem qualquer proteção apta a evitar a transmissão do mal à vítima.
    • A moléstia venérea é a doença transmissível através de contato sexual.
    • No caso em concreto, o magistrado nomeará perito (médico cadastrado no CRM) para avaliação da enfermidade.
  • Subjetividade: entende parte da doutrina que o crime exige o dolo do agente; não possui forma culposa. No entanto, outra corrente entende que o trecho “(...) ou deve saber estar contaminado” significaria a possibilidade de imputação de responsabilidade por culpa.
  • Consumação: consuma-se com a prática sexual ou libidinosa, independentemente do efetivo contágio, caracterizando crime formal (aquele que independe do resultado).
    • Naturalmente, a utilização de preservativo por si só desconfigurará o crime, pois não existe a conduta de colocar em perigo o sujeito passivo dolosa e nem culposamente.
    • A doutrina em geral considera impossível a tentativa para este tipo penal. 
  • Ação penal: pública, condicionada à representação do ofendido.

Perigo de contágio de moléstia grave

Vejamos agora o crime do art. 131:

Perigo de contágio de moléstia grave

Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Vejamos sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: incolumidade física, saúde e vida da pessoa.
  • Sujeito ativo: qualquer pessoa contaminada com moléstia grave contagiosa (é crime próprio).
  • Sujeito passivo: qualquer pessoa, desde que não contaminada pela mesma moléstia do agente.
  • Condutas (objetividade): neste crime, o agente, sabendo de sua moléstia grave, pratica um ato qualquer com o fim de transmiti-la a outrem.
    • O ato poderá ser direto (contato físico) ou indireto (contaminação por seringas, por exemplo).
    • A moléstia, além de grave, deve ser contagiosa.
  • Subjetividade: deve haver dolo (somente o direto) na conduta. Não admite punição por ato culposo.
  • Consumação: consuma-se com a prática do ato capaz de transmitir a doença, sendo assim crime formal. Admite-se a tentativa, por ser crime plurissubsistente (conduta é composta de vários atos de execução).
  • Ação penal: pública e incondicionada.

Perigo para a vida ou saúde de outrem

Vamos passar para a leitura do art. 132:

Perigo para a vida ou saúde de outrem

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Vejamos sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: incolumidade física, saúde e vida da pessoa.
  • Sujeito ativo: qualquer pessoa, é crime comum.
  • Sujeito passivo: entende a doutrina que, embora a vítima pode ser qualquer pessoa, esta deve ser certa e determinada.
  •  Condutas (objetividade): neste crime, o agente pratica um ato qualquer com possibilidade real de causar dano efetivo à vida ou saúde da vítima.
    • Pode-se também responsabilizar a conduta omissiva (deixar de instruir empregado sobre os cuidados para a manipulação de substância química altamente danosa à saúde, etc.), devendo-se tomar cuidado para não confundir com o crime de omissão de socorro (em que há um dever de ajudar descumprido).
  • Subjetividade: deve haver dolo na conduta. Não há punição por ato praticado com culpa.
  • Consumação: consuma-se com o simples surgimento do risco, sendo assim classificado como crime de perigo concreto.
    • Se do crime resultar lesão corporal grave ou morte, o agente responderá somente por tais crimes (o crime de perigo é absorvido por estes).
    • Admite-se a tentativa, por ser crime plurissubsistente (conduta é composta de vários atos de execução).
  • Ação penal: pública e incondicionada.

Causa de aumento de pena

No crime de perigo para a vida ou saúde de outrem, a pena deverá ser aumentada (na segunda fase de dosimetria) no seguinte caso:

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. 

Abandono de incapaz

Assim dispõe o art. 133:

Abandono de incapaz 

Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

Vejamos sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: incolumidade física e metal, saúde e vida da pessoa.
  • Sujeito ativo: agente deve ser pessoa com dever de cuidado, guarda, vigilância ou autoridade sobre a vítima, sendo assim um crime próprio (que exige qualidade especial do agente).
  • Sujeito passivo: a vítima é a pessoa incapaz de defender-se dos riscos ocasionados pelo abandono. Note que pode ser tanto bebê quanto criança, idoso com demência ou ainda pessoa portadora de deficiência física ou mental totalmente incapacitante.
  • Condutas (objetividade): o foco da conduta consiste na ação de abandonar a vítima, seja por ação (deixar bebê sob uma ponte qualquer, por exemplo) ou omissão (mudar-se de casa e deixar a criança na anterior, por exemplo).
  • Subjetividade: deve haver dolo na conduta. Não há punição por ato praticado com culpa.
  • Consumação: consuma-se quando, por razão do abandono, a vítima vem a enfrentar real situação de risco, sendo assim um crime de perigo concreto.
  • Admite-se a tentativa
  • Ação penal: pública e incondicionada.

Qualificadora

O abandono de incapaz tem uma pena-base ainda maior (primeira fase de dosimetria) se por causa dele ocorrerem danos graves à saúde e vida da vítima:

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Aumento de pena

Ademais, o abandono de incapaz também terá sua pena aumentada (na segunda fase de dosimetria) em três situações:

Aumento de pena

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I - se o abandono ocorre em lugar ermo;

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos 

Exposição ou abandono de recém-nascido

Exposição ou abandono de recém-nascido

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Vejamos sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: incolumidade física e mental, saúde e vida da pessoa recém-nascida.
  • Sujeito ativo: há divergência na doutrina se ambos os pais poderiam ser autores desse crime ou se apenas a mãe. Entendemos que qualquer dos genitores poderia cometê-lo.
  • Sujeito passivo: a vítima é a pessoa recém-nascida, não havendo um consenso sobre quando finda essa condição da criança.
  •  Condutas (objetividade): o crime configura-se com a mera exposição ou abandono do recém-nascido, colocando-o diante de perigo real, com a especial finalidade de ocultar desonra própria. Devem estar presentes todos esses elementos.
  • Subjetividade: deve haver dolo especial (finalidade especial) na conduta, consistente em ocultar desonra própria. Exemplo: figura que procura ocultar filho de amante.
    • Se não houver essa finalidade especial, o crime será o do artigo anterior (abandono de incapaz).
  • Consumação: consuma-se quando, por razão do abandono, o recém-nascido vem a enfrentar real situação de risco, sendo assim um crime de perigo concreto.
    • Admite-se a tentativa.
  • Ação penal: pública e incondicionada.

Qualificadora

O crime do art. 135 tem uma pena-base ainda maior (primeira fase de dosimetria) se, por causa dele, ocorrerem danos graves à saúde e vida da vítima:

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de dois a seis anos.

Omissão de socorro

Prevê o art. 135 do CP:

Omissão de socorro

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Vejamos sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: a segurança do indivíduo e a saúde e a vida da sociedade em geral.
  • Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa, sendo crime comum.
  • Sujeito passivo: pessoas para quem tenha o agente o dever de assistência, sendo elas: Criança abandonada ou extraviada: é justamente a criança vítima dos artigos anteriores (abandono de incapaz ou recém-nascido) ou, ainda, a criança que tenha se perdido, por qualquer motivo, de sua casa ou de seus responsáveis. Inválido: a pessoa que necessita de assistência por não possuir resistência física ou psíquica apta a lhe permitir defesa ou cuidado próprio. Ferido desamparado: é a pessoa que apresenta lesões corporais e necessita de auxílio. Quem se achar em grave e iminente perigo: além dos casos acima, o CP inclui o dever de assistência a qualquer um que, por qualquer motivo, esteja correndo risco real, grave e prestes a se consumar de ter a saúde ou a vida prejudicadas.
  •  Condutas (objetividade): o crime configura-se quando o agente, verificando o dever de auxílio, deixa de prestar assistência imediata (ele próprio) ou, na impossibilidade desta, assistência mediata (chamando polícia ou médico, por exemplo).
    • Veja que o dever de socorro não deve pôr em risco a vida ou saúde física do próprio agente. No entanto, existindo esse risco, sua obrigação inescusável passa a ser chamar outros que possam dar assistência sem risco pessoal.
  • Subjetividade: deve haver dolo. Não há punição pela conduta culposa.
  • Consumação: entende a doutrina que este crime se consuma com a simples omissão de socorro, no caso da criança, ou com a existência de perigo concreto resultante da omissão, nos demais casos. Não se admite a tentativa.
  • Ação penal: pública e incondicionada.

Causa de aumento de pena

A omissão de socorro ainda deve ter sua pena aumentada (na segunda fase de dosimetria), se provocar como resultado lesão corporal grave ou morte:

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

Maus tratos

Vejamos agora o crime do art. 136 do CP:

Maus-tratos

Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Atenção para a sua classificação:

  • Bens jurídicos tutelados: incolumidade física e mental, saúde e vida de pessoas submetidas à guarda, autoridade ou vigilância do agente para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.
  • Sujeito ativo: é crime próprio, uma vez que só pode ser o agente do crime aquele com autoridade, guarda ou vigilância da vítima.
  • Sujeito passivo: da mesma forma, a vítima só poderá ser pessoa submetida à autoridade, guarda ou vigilância do agente.
  •  Condutas (objetividade): este crime admite vários tipos de conduta, conforme descritos em seu próprio núcleo: Privação de alimentos ou cuidados indispensáveis: é o caso de presos que são deixados sem comer por longos períodos, comprometendo sua saúde, ou ainda que são privados de atendimento médico ou do acesso a produtos de higiene básica. Sujeição a trabalho excessivo ou inadequado: o excesso (trabalho desumano) ou inadequação (trabalho inapropriado, sem condições de ser realizado normalmente) laborais devem ser verificados no caso em concreto, tomando por base as condições físicas da vítima, e não as condições do laboro por si só. Abuso de meio corretivo ou disciplinar: note que, nesse caso, haveria uma autorização para o agente impor meio corretivo ou disciplinar, mas ele o faz de maneira excessiva, ultrapassando os objetivos e limites da lei e da própria vítima. Abuso pode ser físico (isolamento de preso por tempo excessivo) ou mental (enfermeira de centro de internação que humilha verbalmente os internos).
    • Embora parecidos em alguns aspectos, o presente crime não se confunde com a tortura do art. 1º, inciso II da Lei 9.455/97
  • Subjetividade: deve haver dolo. Conduta culposa não é punível.
  • Consumação: consuma-se com a criação de um risco real por ocasião dos maus tratos do agente.
    • Admite-se a tentativa.
  • Ação penal: pública e incondicionada.

Aumento de pena

O crime de maus-tratos pode ter sua pena aumentada em 1/3 (segunda fase de dosimetria) no seguinte caso:

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.     

 

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