Homicídio Doloso Qualificado

Qualificadoras do Homicídio

Como foi falado, existem duas modalidades de homicídio que são consideradas como crimes hediondos, na definição dada pelo artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos: o homicídio simples, praticado em atividade típica de grupos de extermínio, e o homicídio qualificado. Mas o que seria homicídio qualificado?

As qualificadoras são circunstâncias elencadas no parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal que, quando presentes, majoram a pena mínima e a pena máxima cominadas para o crime do homicídio simples. Em um homicídio simples, a pena cominada é de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. No homicídio qualificado, a pena cominada é de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Antes de estudarmos com mais profundidade cada uma das qualificadoras, é necessário verificar que, da mesma forma em que ocorre com o homicídio privilegiado, somente o homicídio doloso pode ser qualificado. Sendo assim, quem decide sobre a presença ou não de uma qualificadora são os jurados no rito do Tribunal do Júri (vide artigo 483, inciso V, do Código de Processo Penal), cabendo ao juiz fazer a dosimetria com base nos novos parâmetros de pena.

Pois bem. Passemos ao estudo individualizado de cada qualificadora, de acordo com a ordem dos incisos em que estão dispostas:

I – Mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe.

A incidência dessa qualificadora ocorre quando o homicídio é cometido por alguém visando a uma vantagem patrimonial específica, conferida por terceira pessoa, que é quem realmente deseja que o crime aconteça. Para tanto, essa terceira pessoa, chamada mandante, paga (antes do crime) ou promete uma recompensa (depois do crime) ao executor, a fim de que este mate determinada(s) pessoa(s), conforme ordenado. O executor, portanto, responde pelo homicídio qualificado.

Por exemplo: Tício, com raiva de Mévio, paga R$5.000,00 a Caio para que ele o mate, o que é prontamente executado. Nesse caso, tanto Tício quanto Caio responderão pelo homicídio de Mévio, contudo, somente Caio incorrerá na modalidade de homicídio qualificada por este inciso, já que foi somente ele quem cometeu o crime mediante pagamento.  

Contudo, a redação do inciso I nos mostra que a paga ou promessa de recompensa não são os únicos motivos que levam a incidência dessa qualificadora, mas sim qualquer outro motivo torpe. Em outras palavras, todo homicídio motivado por uma razão imoral, repugnante, antiética, trata-se de um homicídio qualificado, e o agente não mais responderá pelo artigo 121, caput, mas sim pelo artigo 121, §2º, inciso I (ambos do Código Penal). Um bom exemplo é o filho que mata os pais desejando a herança que lhe seria devida.

Desse modo, é possível que tanto o mandante quanto o executor respondam pelo homicídio qualificado. Usando dos mesmos personagens do exemplo anterior, se Tício ordena que Caio mate seu pai, prometendo-lhe 10% do valor da herança, ambos responderão pelo homicídio na modalidade qualificada: Caio, por cometer o crime mediante promessa de recompensa, e Tício, por motivo torpe, por querer a herança que seria deixada.

Vale lembrar que, quando há a presença de mandante e executor, estes respondem por um único homicídio, em concurso de pessoas, conforme artigo 29 do Código Penal. A possibilidade de executor responder por homicídio qualificado e mandante responder por homicídio simples tem a ver com a natureza dessa qualificadora. Como ela depende da análise dos motivos do agente, essa qualificadora se trata, na verdade, de uma circunstância de caráter pessoal, classificada pela doutrina como uma qualificadora subjetiva, que, por não ser uma elementar do delito de homicídio, é incomunicável no concurso de pessoas, na forma do que prescreve o artigo 30, do Código Penal. Em outras palavras, quando duas ou mais pessoas cometem um homicídio, a presença da qualificadora do artigo 121, §2º, inciso I, do Código Penal, deve ser analisada a partir da motivação de cada um dos agentes.

II – Por motivo fútil

Trata-se de mais uma qualificadora subjetiva, relacionada à motivação do agente homicida. Nessa hipótese, o motivo que leva a pessoa a cometer o homicídio é insignificante, desproporcional em relação à gravidade do delito. Diversos são os exemplos: um amigo que mata o outro por perder em um jogo, a mãe que mata o filho por este não ter feito alguma tarefa doméstica, o marido que mata a esposa por esta não ter feito a janta, etc.

É comum, nesse caso, que se trate o ciúme como um motivo fútil. A doutrina e a jurisprudência majoritárias, no entanto, apontam que o ciúme é um sentimento que não pode ser tido como irrelevante, já que muitas vezes é incontrolável, e com uma extensão difícil de mensurar.

Outro erro que muitos cometem é entender a ausência de motivos como uma futilidade apta a ensejar a incidência dessa qualificadora. Porém, a interpretação correta é que, se não há motivos, não se pode falar que há um motivo fútil. Se a investigação não conseguir verificar quais foram as razões que levaram uma pessoa a cometer um homicídio, esta deve responder na modalidade simples.

III - Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

Essa qualificadora, diferente das duas primeiras, não está mais relacionada a circunstâncias de caráter pessoal, mas sim a circunstâncias fáticas, objetivas, relacionadas ao meio empregado para cometimento do homicídio. É por esse motivo classificada como qualificadora objetiva.

Há cinco hipóteses expressas:

  1. Emprego de veneno: A expressão “veneno”, nesse caso, não se refere somente a substâncias tóxicas para todo e qualquer ser humano, mas também engloba aquelas substâncias que, por força de características específicas da vítima, poderiam levá-la a morte. Um exemplo é quando se mata uma pessoa alérgica a nozes colocando-as em sua comida furtivamente.   
  2. Emprego de fogo: A qualificadora, neste caso, dá-se com o uso do fogo propriamente dito, ou seja, de maneira direta, não se confundindo aqui o uso de armas de fogo ou ainda a queimada de materiais para produção de gases tóxicos (essa última situação se enquadra como emprego de veneno ou asfixia).
  3. Emprego de explosivo: Ocorre nos casos em que há utilização de materiais que explodem, detonam, causando danos muitas vezes irreparáveis.
  4. Emprego de asfixia: Nesse caso, há uma obstrução, uma supressão da respiração, que pode se dar por enforcamento, esganadura, utilização de gases, etc.
  5. Emprego de tortura: aqui a tortura é usada como meio para matar a vítima. Caso o dolo do torturador não seja matar, mas somente torturar determinada pessoa, ele responde pelo crime de tortura, previsto no artigo 1º da lei 9.455/97, que pode também ser qualificado pelo resultado morte culposo!

A redação do inciso III mostra, no entanto, que esse rol não é exaustivo, incidindo a qualificadora sempre que o crime for cometido por qualquer outro meio insidioso, cruel ou de que possa resultar crime comum. Insidioso, nesse caso, é quando há o emprego de um meio traiçoeiro, que envolve mascarar a intenção maligna por boas intenções, enganar a vítima, ludibriá-la. Cruel é todo expediente que causa dor e sofrimento desnecessários. Por fim, diz-se que causa perigo comum quando, além de atingir a pessoa alvo, a forma que foi usada também atinge ou poderia atingir outras pessoas. Derrubar uma árvore sobre o casebre em que mora a vítima com toda a sua família, por exemplo.

IV – À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

O inciso IV traz mais uma qualificadora objetiva, dessa vez referente à forma como é praticado o crime.  Essa qualificadora incide toda vez que forem utilizados recursos que impossibilitam a defesa da vítima, sendo citados expressamente a traição, a emboscada e a dissimulação.

V- Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

Trata-se de mais uma qualificadora subjetiva, sendo também conhecida como uma qualificadora da conexão, já que os motivos que levaram ao cometimento do homicídio devem estar relacionados à vontade de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

Alguns exemplos: Quando o agente mata a única testemunha que o viu roubando uma loja, fazendo assim verdadeira “queima de arquivo”, tentando assegurar a impunidade do crime, ou ainda quando o agente mata o segurança de uma loja para garantir a execução do roubo.

VI - Contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;

É o famoso feminicídio, que não constitui um crime autônomo, mas mais uma modalidade de homicídio qualificado. A qualificadora, nesse caso, também é de ordem subjetiva, já que também depende da análise da motivação do agente, uma vez que o homicídio deve ser cometido contra uma mulher, por razões da condição de sexo feminino. Não é possível, claro, o cometimento de feminicídio contra um homem, tampouco a classificação de um homicídio de mulher como feminicídio se não houver, nos motivos do agente, relação nenhuma com o fato de a vítima ser do sexo feminino.

Mas o que seriam razões da condição de sexo feminino? O parágrafo 2º - A do artigo 121, do Código Penal, nos dá a resposta.

§ 2º-A - Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: 
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Há duas hipóteses que, se presentes, demonstram que o crime foi cometido por razões de condição de sexo feminino: quando o crime é cometido com violência doméstica ou familiar ou ainda quando é cometido motivado pelo menosprezo e a discriminação do agente em relação à condição de mulher.

Art. 5º  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Na primeira hipótese, é preciso atentar-se para a definição de violência doméstica ou familiar trazida pelo artigo 5º da lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

Todas as vezes em que o agente, em uma relação íntima de afeto com a mulher, ainda que não sejam da mesma família ou tenham coabitado a mesma unidade doméstica, tenta torná-la submissa a sua vontade e nessa condição, a mata, incide a qualificadora do feminicídio.

A outra hipótese de feminicídio diz respeito ao menosprezo ou discriminação com relação ao sexo feminino. Um exemplo claro é quando o agente mata uma mulher, pois não aceita ter um salário menor que o dela, somente porque ela é mulher.

No caso específico do feminicídio, a pena ainda pode ser aumentada de um 1/3 (um terço) até metade se ocorrer alguma das hipóteses do artigo 121, parágrafo 7º, do Código Penal, quais sejam:

  • crime cometido durante a gestação ou 3 (três) meses após o parto;
  • contra pessoa menor de 14 (catorze) anos e maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
  • na presença física ou virtual de ascendente ou descendente da vítima. 
  • em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da Lei 11.340/06.

Em todos os casos, o agente deve ter conhecimento da ocorrência da hipótese qualificadora.

VII - Contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

A sétima e última qualificadora do crime de homicídio tem como semelhança com o feminicídio a indicação de qual deve ser o sujeito passivo do crime para que ocorra a qualificação e haja a majoração da pena.

O inciso VII, para indicar os agentes ou autoridades cujo homicídio é qualificado, faz referência a dois artigos da Constituição Federal: o artigo 142, que fala dos membros das Forças Armadas (Exército, Marinha ou Aeronáutica), e o artigo 144, que dispõe sobre os membros das forças policiais (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis dos Estados, Polícias Militares dos Estados e Corpos de Bombeiros Militares). Inclui também os integrantes do sistema prisional e os membros da Força Nacional de Segurança Pública, além de adicionar o cônjuge, companheiro e os parentes consanguíneos até terceiro grau de todas as autoridades indicadas.

Essa maior proteção, com a figura qualificada do homicídio, dá-se somente se o crime ocorre contra essas autoridades que estiverem no exercício da função ou em razão dela, e, se o homicídio for contra os familiares das autoridades indicados, o crime deve ocorrer em razão dessa condição

Conforme falado mais acima, todas as qualificadoras aqui explicadas provocam a majoração da pena mínima e máxima previstas para o homicídio simples, indo para reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

É possível, porém, que haja uma concomitância entre uma circunstância privilegiadora, que é causa de diminuição de pena (conforme artigo 121, §1º, do Código Penal), e uma circunstância qualificadora, na forma das hipóteses elencadas pelo artigo 121, §2º, do Código Penal. Como o homicídio privilegiado é uma causa de diminuição de pena de caráter pessoal, subjetiva, somente pode incidir no caso uma qualificadora de ordem objetiva, ou seja, a prática de um homicídio por meio insidioso, cruel ou que cause perigo comum ou com recurso que dificulte a defesa da vítima.

Na hipótese de ocorrerem duas ou mais circunstâncias qualificadoras, o juiz deve escolher somente uma qualificadora, considerando as demais na dosimetria da pena como agravantes (se previstas no artigo 61 do Código Penal) ou como circunstâncias judiciais desfavoráveis (conforme artigo 59 do CP).  Logo, não existe juridicamente a figura do homicídio dupla ou triplamente qualificado, conforme diversas vezes alardeado pela mídia para reforçar a gravidade do delito.

VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido

O pacote anticrime trouxe essa modalidade de homicídio qualificado pelo emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido. 

IX - contra menor de 14 (quatorze) anos

A lei Henry Borel (L. 14.344/22) acrescentou essa qualificadora ao crime de homicídio. 

Além disso, essa lei previu majorantes específicas para essa modalidade qualificada. Vejamos:

§ 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 anos é aumentada de:

I - 1/3 até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade;

II - 2/3 se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.

Encontrou um erro?