Jurisprudência Pertinente

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Jurisprudência pertinente:

ADIN 4815

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Em junho de 2015, foi proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livro a Ação Direta de Inconstitucionalidade número 4815, paradigmática no que tange aos direitos de personalidade: o objeto da ação era a necessidade ou não de autorização prévia da pessoa biografada para a publicação de sua biografia.

Na ocasião, sustentaram que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis com a liberdade de informação.

Nesse sentido:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

A interpretação literal dos dispositivos poderia impor alguns obstáculos às publicações de biografias. Parece que o legislador ao tipificar alguns direitos especiais de personalidade pretendeu proteger potenciais biografados que não quisessem ter sua privacidade explorada por algum autor.

Na ocasião, a relatora afirmou que já haveria remédio para os casos em que se verifique violação da intimidade, privacidade, honra ou imagem: a reparação indenizatória. Portanto, segundo a ministra, a Constituição Federal proíbe toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Em sua fundamentação, afirma que tradicionalmente no nosso direito a matéria relativa à tutela de inviolabilidade da intimidade da privacidade, da honra e da imagem da pessoa foi deixada ao cuidado da legislação infraconstitucional, de modo que a constitucionalização expressa desses direitos é recente, motivo pelo qual há dificuldade em assentá-los como direitos fundamentais impostos, não apenas ao agir estatal, como também em relação aos particulares.

Assim, a pessoa biografada se sujeita ao conhecimento e reconhecimento e pública, não se podendo negar a tolerar quando não quiser que este mesmo público busque por igual dela conhecer. Nesse contexto, a inviolabilidade da intimidade tem na Constituição a resposta ao caso de desobediência dessa regra. Em outras palavras, não parece razoável exigir autorização prévia para a publicação de biografias. Contudo, é possível se valer dos mecanismos de reparação, como a retificação, indenização e direito de resposta, e, caso haja transgressão pena, a responsabilização nessa seara.

Ressalta ainda que a exigência de autorização previa para a divulgação de escritos não pode ser adotada relativamente às obras biográfica pela circunstância de que contem uma expressa exceção a esse gênero no dispositivo legal. Por fim, a Ministra afirma que a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento não pode ser anulada por norma de hierarquia inferior, ainda que sob o argumento de se resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, no caso, a inviolabilidade do direito à intimidade, privacidade, honra e imagem.

A ação teve relatoria da Ministra Carmen Lúcia e o pleno decidiu, por unanimidade, que seria desnecessária a autorização prévia do biografado para a publicação da obra.

REsp 1.334.097

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No início dos anos 90, ocorreu no Rio de Janeiro um triste episódio que ficou conhecido como a “Chacina da Candelária”. Um dos homens acusado de ser coautor da sequencia de homicídios, Jurandir Gomes de França, foi absolvido por unanimidade pelo júri popular por negativa de autoria.

Dezesseis anos depois, o programa Linha Direta da Rede Globo de Televisão, de grande repercussão, ao produzir uma matéria acerca da chacina da Candelária, mencionou Jurandir Gomes de França como um dos autores dos homicídios. Uma vez que havia sido absolvido pelo judiciário, o ofendido moveu ação contra a emissora. O episódio reacendeu a imagem ruim associada ao episódio, tendo inclusive que abandonar a comunidade em que morava sob risco de vida.

Em primeiro grau, o juiz entendeu ser improcedente o pedido, tendo sido provida a apelação condenando a Rede Globo a pagar cinquenta mil reais a titulo de danos morais, em Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça julgou a matéria.

Trata-se, no caso, do chamado direito ao esquecimento, que foi inaugurado precisamente no julgamento desse Recurso Especial. Em sua fundamentação, o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, posicionou-se com relação a evidente colisão do direito ao esquecimento e outros direitos constitucionais.

Ao ressaltar a inegável relevância da liberdade de imprensa, direito que ficou obscurecido durante a ditadura militar, afirmou que muito embora a Constituição tenha rompido com o paradigma da censura não se pode hipertrofiar a liberdade de informação à custa do atrofiamento dos valores que apontam para a pessoa humana.

Ou seja: o cenário protetivo da atividade informativa converge tanto para a liberdade de expressão na atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, como para a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra e da imagem das pessoas.

Nesse contexto, que deve abarcar essas duas realidades, existe, segundo o relator, uma inclinação ou predileção constitucional para as soluções protetivas à pessoa humana. Essa constatação tem como uma de suas origens o fato de que a constituição teria mostrado a sua vocação antropocêntrica no momento em que gravou já em seu primeiro artigo a dignidade da pessoa humana como pilar central da República Federativa do Brasil, “uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriores.”.

Afirma ainda que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza ao afirmar-se como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. “Ao final, diz que os valores sociais cultuados pela nossa sociedade conduzem a uma percepção invertida dos fatos: ao invés de enxergarem um inocente injustamente acusado, visualizam um culpado acidentalmente absolvido”.

O recurso interposto pela Rede Globo foi julgado improcedente, e a indenização por danos morais mantida em cinquenta mil reais.

Os dois casos analisados são de extrema importância para o entendimento da visão e aplicabilidade dos nossos tribunais quanto aos direitos da personalidade e constituem-se em precedentes relevantes para os rumos que devem tomar as decisões nesse sentido doravante.

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