Introdução II

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Estupro e estupro de vulnerável

Estupro – introdução

O crime de estupro está previsto dentre os crimes contra a dignidade sexual no Código Penal, mais especificamente no Capítulo I, que trata dos crimes contra a liberdade sexual. Anteriormente, os crimes contra a dignidade sexual eram referidos como crimes contra os costumes, mas a expressão foi alterada em 2009 por entender-se que os costumes sexuais de indivíduo algum diz respeito ao Estado, mas somente ao próprio indivíduo.

No Título VI, referente aos crimes contra a liberdade sexual, existem sete capítulos. O primeiro, como já mencionado, trata dos crimes contra a liberdade sexual, onde se inclui o estupro; o segundo trata dos crimes sexuais contra vulnerável; o terceiro foi revogado pela Lei nº 11.106/2005; o quarto trata de disposições gerais; o quinto trata do lenocínio e do tráfico de pessoas para fins de prostituição ou outra forma de exploração sexual; o sexto trata do ultraje ao pudor público, e o sétimo, das disposições gerais.

O crime de estupro está previsto no art. 213, CP:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

- reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

Quais são os principais elementos desse tipo penal?

  • Núcleo do tipo: o núcleo do tipo é constranger alguém, e esse constrangimento tem sentido de obrigar, forçar a vítima à prática da conjunção carnal ou de quaisquer atos libidinosos.
  • Violência ou grave ameaça: a violência a que se refere o artigo é a violência própria, que ocorre com o emprego de força física podendo deixar lesões corporais (nada se fala sobre violência imprópria, que é aquela em que se reduz a capacidade de resistência da vítima). O constrangimento também pode ocorrer por meio de grave ameaça, não havendo exigência legal de que tal ameaça seja referente a um mal injusto. Pode referir-se a fatos justos também, como, por exemplo, a cobrança de uma dívida legalmente devida.
  • Conjunção carnal ou outro ato libidinoso: a violência ou a grave ameaça devem servir para forçar a vítima à conjunção carnal ou a outro ato libidinoso, ainda que não tenha havido contato direto da vítima com o agente como determinou-se em decisão da 5ª Turma do Tribunal da Cidadania. A conjunção carnal mencionada no tipo penal caracteriza-se pela introdução do pênis na vagina. Outros atos sexuais que não este são considerados atos libidinosos, e também puníveis, como, por exemplo, o sexo anal, o simples apalpar ou até mesmo ejacular sobre a vítima.

É importante ressaltar que, em 2009, com a reforma do Código Penal, ocorreu a reunião dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor no mesmo tipo penal. Antes dessa mudança, existiam dois crimes diferentes: o crime de estupro, que se referia apenas ao constrangimento à realização de conjunção carnal, e o crime de atentado violento ao pudor, que se referia ao constrangimento à prática de outro ato libidinoso que não a conjunção carnal. Houve a revogação do crime de atentado violento ao pudor, mas não a abolitio criminis. Ele migrou para outro tipo penal, caracterizando o que se chama de princípio da continuidade típico-normativa.

Reforça-se que não há exigência de que haja contato físico para a configuração do tipo penal do estupro. O agente pode, por exemplo, ter constrangido a vítima a se masturbar sem ter tocado nela sequer por um instante.

O que é ato libidinoso?

Conforme pontuado, ato libidinoso seria tudo aquilo que não é conjunção carnal. Discute-se, porém, em âmbito doutrinário, se práticas como, por exemplo, um beijo lascivo ou toques em áreas pudendas seriam ou não atos libidinosos. A doutrina divide-se. Em primeiro lugar, há que se observar a presença ou não de violência ou grave ameaça. Caso ausentes tais elementos, poder-se-ia estar diante de uma contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista no art. 61 da Lei de Contravenções Penais, ou de perturbação da tranquilidade, disposta no art. 64 do mesmo corpo normativo. Quando houve grave ameaça ou violência, alguns doutrinadores consideram que deve haver proporcionalidade na análise da ocorrência ou não de crime de estupro. Para eles, passar a mão nas nádegas ou nos seios, mesmo presentes os elementos referidos, ainda seria caso de contravenção penal. Outros doutrinadores, dentre os quais um expoente seria o professor Damásio de Jesus, posicionam-se de maneira mais radical, considerando que mesmo essa situação trata-se de estupro. A maioria da doutrina ainda se filia ao primeiro posicionamento.

Também discute-se se o estupro é um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Os tipos penais mistos alternativos são aqueles que possuem vários núcleos do tipo, e que, praticando um ou outro - ou um e outro - continua-se tratando de um único crime. O estupro como crime de tipo misto alternativo, então, implica que o agente que pratica conjunção carnal e ato libidinoso incorre em um único crime. Esse é o posicionamento de maior parte da doutrina. Um grupo minoritário entende que, praticando mais de uma conduta prevista, ocorreria o concurso de crimes.

Os tribunais superiores já admitiram a possibilidade de continuidade delitiva quando ainda havia separação entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, portanto, se praticados estupro e atentado ao pudor em um mesmo período de tempo contra a mesma vítima em um mesmo lugar, nas mesmas condições e atendendo-se aos requisitos de crime continuado, era possível reconhecer-se a continuidade delitiva.

O crime de estupro, tentado ou consumado, é considerado crime hediondo conforme a Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos). Isso gera uma série de consequências para aquele que pratica o crime de estupro: está insuscetível a graça, anistia e fiança, e recebe, obrigatoriamente, regime inicial fechado e maior rigor na progressão de regime após cumprimento de 2/5 da pena ou 3/5, caso o indivíduo seja reincidente. Ademais, a prisão temporária nos crimes hediondos é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30. O livramento condicional ocorre quando o sujeito cumpriu mais de 2/3 da pena, se não for reincidente específico.

Qual o objeto jurídico do crime de estupro?

O bem jurídico protegido no crime de estupro é a liberdade sexual, no sentido de que todos são livres para escolher seus parceiros sexuais e suas práticas sexuais. De maneira reflexa, também é protegida a integridade corporal e a liberdade individual, já que a configuração do tipo envolve a violência ou a grave ameaça.

Qual o objeto material do crime de estupro?

O objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta delituosa. No caso do crime de estupro é a pessoa contra a qual é praticado o crime.

Em relação ao sujeito ativo e ao sujeito passivo do crime de estupro, sendo o sujeito ativo o autor e o sujeito passivo a vítima, o crime de estupro é comum: pode ser praticado por qualquer pessoa e contra qualquer pessoa, não havendo qualquer qualidade especial do sujeito ativo ou passivo que deva estar presente para a configuração do tipo. Esse aspecto merece especial atenção, pois, antes da reforma do Código Penal em 2009, o crime de estupro só poderia ser praticado contra vítima do sexo feminino. Após a reforma, o crime pode ser praticado contra qualquer indivíduo, de sexo feminino ou masculino, e também praticado por qualquer indivíduo. Apenas quando o estupro é praticado com conjunção carnal, diz-se que o crime é próprio, porque a definição adotada de conjunção carnal pressupõe uma relação heterossexual entre um homem e uma mulher (já que se trata da introdução do pênis na vagina).

Em relação ao sujeito ativo, existe discussão acerca da “curra”, que é o crime de estupro praticado por mais de uma pessoa. Segundo a doutrina e a jurisprudência, se dois sujeitos, por exemplo, praticam o crime de estupro contra uma mulher, revezando-se entre segurar a vítima e praticar a conjunção carnal, eles responderiam por dois crimes de estupro, um como coautor e outro como autor.

Em relação ao sujeito passivo, devem ser feitas algumas observações. Transexuais, indivíduos que se identificam com outro gênero que não o de nascença, podem, obviamente, ser vítimas de crime de estupro. Da mesma forma, prostitutas ou prostitutos podem ser vítimas de crime de estupro, pois, todos, igualmente, possuem a liberdade de escolher seus parceiros sexuais, inclusive seus clientes. Ademais, a prática do crime de estupro de cônjuge contra cônjuge também é possível, o tipo penal continua configurado, sendo irrelevante a presença de vínculo matrimonial entre os indivíduos. Em verdade, a pena é aumentada quando essa circunstância ocorre, de acordo com o inciso II do art. 226, CP:

II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

Existe discussão acerca da prática do crime de estupro contra adolescente de 14 anos. O art. 213, § 1o, CP estabelece que:

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

Já o art. 217-A, CP, que trata do estupro de vulnerável, dispõe que:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

- reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Assim, o art. 213 refere-se a menor de 18 ou maior de 14 anos, e o art. 217-A refere-se à vítima menor de 14 anos. Dessa forma, em se fazendo interpretação literal da norma, não haveria proteção ao adolescente no dia em que ele faz 14 anos, pois ainda não é maior de 14 anos, nem menor de 14 anos. A doutrina diverge quanto ao crime praticado nesse caso. Diante disso, alguns estudiosos, como Damásio de Jesus, posicionam-se no sentido de que o agente responderia pela forma qualificada do crime disposto no art. 213, § 1º, pois deve-se considerar a vítima como maior de 14 anos. Todavia, é necessária análise crítica acerca desse posicionamento. Não deve ser feita analogia in malam partem, se o legislador errou e não incluiu a previsão referente ao adolescente de 14 anos no dia de seu aniversário. Aplicar-se-ia o caput do art. 213, e o sujeito responderia por estupro simples. Isso gera uma situação em que o sujeito que pratica crime de estupro contra adolescente com 14 anos exatos responde com pena menor do que aquele que pratica o crime contra adolescente de 15 anos, por exemplo.

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