Execução Definitiva, Provisória e Antecipada

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A Execução Penal se trata de uma importante matéria do processo penal, regida pela Constituição Federal (CF), Código Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei de Execução Penal (LEP), dentre outras normas.

O que é a execução penal?

A execução penal nada mais é que o efetivo cumprimento da condenação ou medida de segurança imposta a um réu em processo criminal, sempre visando à reintegração social, em tese. Conforme o art. 1o da LEP:

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Para entender melhor como ela funciona, vamos dividir o processo criminal em duas fases: a fase de conhecimento e a fase de execução. Na prática, cada uma delas possui seu respectivo processo, com autos e números diferentes.

A fase de conhecimento é aquela em que um juiz irá conhecer os fatos e fundamentos jurídicos alegados pelas partes, reunir outras informações pertinentes à causa e proferir decisão para condenar ou absolver o réu. Tal fase é iniciada com o oferecimento da denúncia ou queixa e dura até o trânsito em julgado da decisão judicial – embora haja entendimento no sentido de que, após decisão de 2a instancia, mesmo com a possível existência de recursos, já se entra na fase de execução.

 Lembre-se: o trânsito em julgado é a certificação de que a decisão do juiz não é mais alterável por nenhum recurso e tornou-se definitiva.

A fase de execução é justamente aquela em que ocorre o efetivo cumprimento da decisão do juiz (a tal da execução penal), caso esta tenha sido desfavorável ao réu. Ou seja, o Poder Judiciário irá exigir do réu a obediência à ordem estabelecida e fiscalizá-lo, garantindo que ele fique preso (para pena privativa de liberdade), cumpra obrigações (para pena restritiva de direitos), pague valores (para pena pecuniária) ou fique recolhido em manicômio judiciário (para medida de segurança). A fase de execução é iniciada por ordem do juiz de conhecimento e termina quando for atestado pelo juiz da execução que o condenado cumpriu sua pena ou que o réu pode ser liberado da medida de segurança.

Mas em que hipóteses o juiz de conhecimento pode mandar começar a fase de execução? É de se pensar que a fase de execução se iniciaria somente com o fim da fase de conhecimento – após a pena ou medida de segurança tornar-se definitiva. Afinal, assim dispõe o inciso LVII do art. 5o da CF:

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

No entanto, na verdade, podemos falar atualmente em três tipos de execução penal, iniciadas em momentos diversos: a execução definitiva, a provisória e a antecipada.

Tipos de execução

Execução Definitiva

A execução definitiva é aquela que é iniciada justamente após o trânsito em julgado da decisão que condena ou que impõe medida de segurança.

É um tipo de execução fundamentada na definitividade da decisão judicial; na certeza de que o processo de conhecimento chegou ao fim e que a pena ou medida de segurança não serão passíveis de alteração por qualquer recurso no mesmo processo.

Execução Provisória

De forma geral, podemos dizer que a execução provisória é aquela que executa a pena provisoriamente, ou seja, o juiz do conhecimento manda cumprir a decisão judicial condenatória não transitada em julgado enquanto ainda se aguardam o julgamento de recursos e a chegada de uma decisão certa, definitiva. Após o trânsito em julgado, então, a execução provisória pode converter-se em definitiva, com base na pena final.

Porém, atualmente, só é aceita de modo pacífico uma hipótese de execução provisória:  nos casos em que, cumulativamente:

  1. A pena provisória é privativa de liberdade;
  2. Só há interposição de recurso pelo réu - deve ter havido trânsito em julgado para o Ministério Público;
  3. O réu encontra-se preso preventivamente.

Logo, quando falarmos em prisão provisória, estaremos sempre nos referindo a essa única hipótese, com os três requisitos acima.

Note que o réu não está preso por ser culpado pelos fatos, já que isto ainda não se decidiu, mas sim por causa da decretação ou manutenção de prisão preventiva – uma forma de prisão cautelar fundamentada nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal (CPP) com o intuito de resguardar a sociedade ou o processo (pois decretada em casos nos quais o réu representa algum risco à sociedade ou à devida manutenção processual).

O mais importante de guardar sobre tal execução provisória é que ela visa a beneficiar o réu. A ideia é que, já que o réu está preso preventivamente, este tempo de prisão deva ser imediatamente considerado como se fosse cumprimento de pena, permitindo haver progressão de regime, remição, etc., além de já se descontar tempo prisional definido a posteriori. Do contrário, durante todo o tempo em que aguarda o julgamento do seu próprio recurso, o réu não poderia requisitar quaisquer destes benefícios. Lembrando que, na prática, o julgamento de um recurso penal pode demorar bem mais do que o tempo necessário para a progressão de regime ou até mesmo que o tempo para cumprimento total da pena.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já reconheceram plenamente a possibilidade de o preso preventivo requerer a progressão de regime.

Súmula 716, STF:

Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Resolução 113/10, CNJ

 Atenção: justamente porque o objetivo é aproveitar o tempo da prisão cautelar, só é possível haver execução provisória de pena privativa de liberdade. O entendimento que prevalece hoje é de que a pena restritiva de direito, a multa e a medida de segurança só podem ser executadas em caráter definitivo, e nunca antes do trânsito em julgado da decisão.

Execução Antecipada

O que chamamos aqui de execução antecipada é uma modalidade de execução provisória mais abrangente na qual é determinado o início da execução antes do trânsito em julgado da condenação à pena privativa de liberdade, mas independentemente da situação do réu. Ou seja, a antecipada permite executar a pena inclusive contra réu solto – e não visa a beneficiá-lo.

Ao contrário das execuções definitiva e provisória mencionadas anteriormente, não há entendimento pacífico sobre a constitucionalidade e aplicabilidade da execução antecipada. Justamente por isto, embora não costume ser aceita pelos Tribunais, não há uma posição esclarecida sobre a possibilidade de haver execução antecipada quando há, somente ou em conjunto com a defesa, recurso do Ministério Público visando a agravar a pena. Caso fosse possível, o réu poderia progredir de regime com base na sua pena provisória e depois regredir, diante do provimento do possível recurso do Ministério Público.

Para entendermos os argumentos favoráveis e desfavoráveis à existência de tal tipo de execução, vamos rever um pouco da história que a circunda.

Polêmica

Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, entendia-se pela possibilidade da execução antecipada da pena nos Tribunais. Entretanto, tal entendimento não chegou a ser reconhecido em lei ou súmula do STF.

Em 2009, o STF decidiu, por maioria, no julgamento do HC 84.078/MG de relatoria do Ministro Eros Grau, que a execução antecipada da pena seria inconstitucional, em respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e da presunção de inocência. Vide abaixo um trecho da ementa:

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5o, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5o, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
(…)

Contudo, em 2016, no julgamento do HC 126.292/SP, houve uma virada jurisprudencial e o STF passou a entender, por maioria, pela constitucionalidade da execução antecipada, quando determinada após decisão condenatória de segundo grau. Vejamos alguns argumentos utilizados então pelos ministros favoráveis a tal tese:

  • Enquanto o recurso de Apelação, julgado em segunda instância, possui efeito suspensivo, o Recurso Extraordinário (RExt) e o Recurso Especial (REsp) não possuem. Assim, após a condenação em 2ª instância, a pena já determinada poderia ser exigida e cumprida, mesmo com a existência de RExt e REsp.
  • Os STF e o STJ, que julgam o RExt e o REsp, não analisam matéria de fato, apenas de direito. Assim, após a condenação em segundo grau haveria uma espécie de “trânsito em julgado dos fatos”, exaurindo-se o princípio da presunção de inocência e permitindo-se a condenação com base na culpa do acusado.
  • Segundo o Ministro Teori Zavascki “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando o referendo da Suprema Corte”

Críticas

Muitos tribunais acabaram por aplicar a execução antecipada, com base no posicionamento do STF de 2016. No entanto, deve-se notar que aquele julgamento do STF foi feito com base em um único caso, incidenter tantum (por via incidental, não era o mérito principal) e sem efeito vinculante (de aplicação obrigatória) ou efeito erga omnes (a todos aplicável).  Portanto, a decisão de 2009 não deveria necessariamente guiar casos com contextos diferentes, já que não opera em caráter vinculante.

A posição do STF sobre tal matéria é ainda instável. Já em 2018 os Ministros estão revendo suas posições anteriores, incluindo a possibilidade de se considerar legítima a execução da pena somente após a decisão do STJ. Seria a quarta mudança de posição em menos de oito anos.

Legislativo

Em 2011, o ex-Ministro do STF Cezar Peluso apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 15/2011, que sugeria a alteração nos arts. 102 e 105 da Constituição para transformar os recursos extraordinário e especial em ações rescisórias. Com isso, o trânsito em julgado ocorreria necessariamente após as decisões de segunda instância. Tal PEC não teve prosseguimento.

Em 2015 a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) propôs o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 402/2015 propondo alterações no sistema processual penal, incluindo a possibilidade de os condenados em 2ª instância começarem a cumprir pena mesmo na pendência do julgamento de recursos – execução antecipada após segunda instância. Tal PLS continua em tramitação.

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