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Apontamentos Iniciais

O termo habeas corpus significa “apresente o corpo”. Trata-se de um remédio constitucional que tutela a liberdade de locomoção do indivíduo. Assim, é cabível sempre que alguém estiver sofrendo constrangimento ilegal no seu direito de ir e vir, ou na iminência de sofrer tal constrangimento. Nos termos do art. 5º, LXVIII da CF:

Art. 5º. [...]

LXVIII. conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Essencial ressaltar que o habeas corpus não é um recurso, apesar de o Código de Processo Penal enquadrá-lo como tal. Isso porque a utilização de recursos pressupõe uma decisão não transitada em julgado, e o remédio constitucional em questão pode ser impetrado a qualquer momento, ainda que esgotadas todas as instâncias. Além disso, ele pode ser impetrado tanto contra uma decisão judicial quanto contra um ato administrativo, bastando que haja a ameaça ou a violência ao direito de ir e vir de determinada pessoa.

Portanto, mais correto dizer que o habeas corpus é uma ação penal popular, vez que pode ser impetrado por qualquer indivíduo em qualquer momento processual. Neste passo, é necessária a presença de todos os requisitos da ação penal:

  1. Possibilidade jurídica do pedido – a demanda proposta tem que ter previsão legal;
  2. Interesse de agir – é preciso que de fato tenha havido indevida restrição ao direito de ir e vir ou sua ameaça;
  3. Legitimidade ad causam – qualquer pessoa possui legitimidade ativa para ajuizar habeas corpus;
  4. Justa causa – é preciso que o habeas corpus se dê em proveito de quem realmente precisa dele.

O habeas corpus, conforme supramencionado, pode ser impetrado por qualquer indivíduo, tendo ele, ou não, capacidade postulatória. Não há necessidade de o beneficiário outorgar procuração a quem ficar incumbido de impetrar o remédio. Até mesmo o Ministério Público ou qualquer pessoa jurídica podem impetrá-lo em favor de outrem.

Porém, importante ressaltar que o magistrado não poderá impetrar habeas corpus. Esta vedação condiz com sua função, a qual demanda neutralidade e imparcialidade, e só não se aplicará caso o próprio magistrado seja o beneficiado da ação. Ademais, ressalte-se que o HC possui prioridade de julgamento, sendo julgado antes de todos os outros casos.

Como já mencionado, a legitimidade ativa do remédio constitucional ora estudado pertence a qualquer pessoa (impetrante), podendo ser física ou jurídica, nacional ou estrangeira, e não demanda o auxílio de advogado, ou seja, é permitido a qualquer indivíduo impetrar habeas corpus em favor de terceiro, a quem se chamará paciente. Já este terceiro, paciente em favor de quem se entra com HC, não poderá ser pessoa jurídica dado que o direito à liberdade de ir e vir é característico exclusivamente dos seres humanos, pessoas físicas.

A legitimidade passiva do HC será do coator. Chama-se coator aquele responsável por ameaçar, turbar, restringir ou atrapalhar indevidamente o direito à liberdade de locomoção do paciente. A autoridade coatora será, normalmente, pessoa pública, como no exemplo da prisão injusta acometida por autoridade investida de poder de polícia. Será, entretanto, cabível impetrar HC diretamente contra um particular, por exemplo, no caso de injusta internação de alguém forçada por um familiar.

O mais comum, reforça-se, é que coator seja autoridade judiciária ou policial, podendo se considerar tanto pessoa física quanto pessoa jurídica. Bem colocam Mauro Cunha e Geraldo Coelho que:

[...] entre o coator e o paciente, há quase sempre um vínculo de dependência ou subordinação, quer porque o sujeito passivo da ação de habeas corpus está investido na autoridade de agente público, garantidor da ordem jurídica e da segurança da comunidade, quer porque tem ascendência natural e consequente poder que passa a usar abusivamente.

Nos termos do CPP, o HC é cabível nas hipóteses de coação/ameaça ou abuso de poder à locomoção:

Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa;

II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;

IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;

VI - quando o processo for manifestamente nulo;

VII - quando extinta a punibilidade.

A modalidade “abuso de poder” pode se dar por:

  1. Excesso de poder, quando a competência legítima é extrapolada;
  2. Desvio de poder, quando se desrespeita a finalidade do interesse público, ainda que dentro da competência do agente, e
  3. Omissão de poder, quando é dever legal do agente agir de determinado modo e este não o faz.

Há duas modalidades de Habeas corpus: o Habeas corpus liberatório/repressivo é utilizado para interromper um impedimento ilegal já ocorrido ao direito de locomoção de indivíduo. É utilizado, via de regra, na hipótese de liberação de um preso. O segundo tipo é o Habeas corpus preventivo, que é aquele utilizado para prevenir uma possível ou provável restrição ao direito de ir e vir.

Para determinar a competência para julgamento de pedido de HC, há que se observar os critérios da territorialidade e da hierarquia. Regra geral, a impetração do habeas corpus será perante a autoridade judiciária de primeiro grau, entretanto, a competência para julgamento do HC dependerá também do Legitimado Passivo e do paciente. Assim, será a autoridade judiciária hierarquicamente superior àquela que determinou o ato impugnado,  nos termos do art. 650, §1º do CPP.

  1. Contra o ato do Delegado (autoridade coatora), o habeas corpus é impetrado junto ao Juiz de primeira instância.
  2. Contra o ato do Juiz de primeira instância, o habeas corpus é impetrado junto ao Tribunal estadual, federal, militar, eleitoral etc., ao qual estiver subordinado o juiz (autoridade coatora).
  3. Contra o ato do Tribunal de segunda instância, o habeas corpus é impetrado junto ao Tribunal Superior respectivo (STJ, STM, ou TSE).
  4. Contra atos dos Tribunais Superiores (STJ, STM, ou TSE) o habeas corpus será impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal.
Essencial não confundir a autoridade que decreta a ordem injustamente e a autoridade que, cumprindo a ordem, faz seu trabalho e prende o indivíduo. Quando o delegado prende o paciente por determinação do juiz, a autoridade coatora será o juiz e não o delegado.

Adicionalmente, quando o Tribunal julga o habeas corpus e denega a ordem injustamente (julga improcedente o pedido de maneira indevida), a situação se altera; a partir deste evento, pode haver nova impetração de HC, no qual o Tribunal será a autoridade coatora.

Por fim, analisemos os requisitos da petição do HC, nos termos do art. 654 do CPP:

Art. 654.  O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

§1º A petição de habeas corpus conterá:

a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;

b) a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor;

c) a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências.

Desta forma, são requisitos:

  • Identificação do paciente e do impetrado;
  • Razões de fato e direito expondo a ilegalidade;
  • Requisitos formais, como a assinatura, endereçamento, etc.

Se for o caso, é plenamente admitido pela doutrina medida cautelar em sede de habeas corpus, apesar da falta de previsão legal. Nessa hipótese, necessários os requisitos do instituto: o perigo na demora e a verossimilhança entre as alegações e o direito. Além do HC impetrado com pedido de liminar, é também possível impetrar habeas corpus para combater medida cautelar concedida que tenha causado lesão ao direito de liberdade de locomoção de alguém.

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