Introdução, Natureza jurídica e finalidades

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INQUÉRITO POLICIAL: INTRODUÇÃO

Antes de entrarmos em inquérito policial, relembremos brevemente o essencial sobre os sistemas processuais acusatório, inquisitório e misto:

No sistema acusatório, que surgiu com o Direito Canônico e foi usado até o século XII, a persecução penal tem somente uma fase na qual aconteciam a investigação, a acusação, a defesa e o julgamento.
As funções de acusar, defender e julgar são devidamente separadas (há divisão dos poderes): na época em que tal sistema era utilizado, qualquer pessoa que obtivesse provas do fato poderia exercer a função acusatória e deteria o ônus da prova. A defesa seria feita pelo próprio executado, e o julgamento seria realizado pelo juiz designado. No caso da Europa no século XII, a sentença ficava a cargo dos bispos integrantes do Clero.

No sistema inquisitório, que surgiu no século XII juntamente com o advento da santa inquisição, tem-se uma fase processual na qual há investigação, acusação, defesa e julgamento. A grande mudança surgida nesse sistema foi a decisão de se concentrarem as funções de acusar, defender e julgar nas mãos de um só ente. Eliminou-se, então, a divisão dos poderes.

O sistema misto, ou francês, surgiu em 1808 após a outorga do Código Napoleônico, com vistas a que se contivessem a arbitrariedade e a concentração do poder. Adotou-se de volta a separação das funções de acusar, julgar e defender.
Essencial alteração inovada por esse modelo processual foi a bipartição da persecução criminal. Falamos, então, de duas fases: a fase investigatória, e a fase probatória e de julgamento.

Nosso sistema persecutório é o sistema acusatório mitigado. Mitigado porque nossa fase investigativa, no inquérito policial, não conta com contraditório e ampla defesa (o que não significa que não prezemos pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana durante todo o decorrer do processo!). Fala-se que não há propriamente contraditório e ampla defesa simplesmente porque não temos uma primeira fase judicial. Essa primeira fase persecutória do nosso sistema é administrativa. Ora, contraditório e ampla defesa são expressões usadas judicialmente quando há um suposto direito subjetivo de ampla colocação para defesa.

Falemos mais a respeito da persecução criminal e de suas fases para que fique clara a colocação e finalidade do inquérito policial na instauração de um processo penal:

Nossa persecução criminal tem duas principais fases: uma investigatória, administrativa, e outra do processo penal, judicial (na qual ficam contidas a fase probatória e de julgamento).
Note-se que o processo penal, assim, NÃO SE INICIA com a investigação. Há uma tendência de se chamar todo o procedimento persecutório de ação, quando, na verdade, essa só se inicia após a finalização do inquérito. Tal constatação implica que, na fase investigatória, não existem autor e réu, tampouco fala-se em litígio. Podemos chamar aquele que - porventura – virá a ser réu de investigado, ou indiciado (veremos mais pra frente suas diferenças).

Superados tais aspectos iniciais, passemos ao nosso ponto principal, começando por firmar que o fundamento de validade e a disciplina do inquérito policial encontram-se descritos nos artigos 4º a 23 do Código de Processo Penal, e na nossa Constituição Federal, no inciso VIII do artigo 129, que menciona expressamente o inquérito policial. Façamos agora, brevemente, uma leitura do artigo 6º do Código de Processo Penal, que estabelece um roteiro dos atos que devem anteceder a instauração do inquérito policial:

Artigo 6º:  Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;         

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

IV - ouvir o ofendido;

V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;

VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.

Havendo ocorrência de um fato criminoso, cuja prevenção ficaria a serviço da Polícia Militar (polícia ostensiva ou de segurança), dá-se a notitia criminis, que consiste em nada menos que a chegada da informação até a autoridade policial.

Diz o artigo 27 do Código de Processo Penal que “qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.”

O Boletim de Ocorrência (BO) não é forma técnica de se iniciar Inquérito, sendo somente utilizado para realizar a representação, se o crime for de ação penal pública condicionada à representação, ou o requerimento, se o crime for de ação penal da iniciativa privada.

A partir da notícia do crime, a Polícia Civil ou Federal (polícia judiciária) poderá instaurar um inquérito policial com uma das peças inaugurais: a Portaria, ato de ofício do delegado no qual se instaura o inquérito; o Auto de prisão em flagrante, pelo qual o delegado formaliza uma prisão em flagrante; o Requerimento do ofendido ou de seu representante legal, em casos de ação penal privada, ou a Requisição do Ministério Público ou do Juiz, em casos de ação penal pública.

Eventualmente, será o inquérito concluído com Relatório feito pelo delegado.

O Chefe de Polícia encaminhará o inquérito recém relatado ao Juiz (destinatário), que deverá abrir vistas ao Ministério Público.
O órgão acusatório poderá, então, oferecer denúncia, pedir novas diligencias ou arquivar o inquérito policial.
Havendo denuncia, essa será encaminhada ao Juiz, que pode recebê-la ou rejeitá-la. Em caso de recebimento, emitirá o Juiz um despacho para que o réu seja citado a dar resposta escrita.
Começará, assim, a ação penal propriamente dita.

NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADES DO INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial, como visto, tem natureza de procedimento persecutório administrativo. É também um procedimento inquisitório, pois traz como característica da inquisição a ausência de contraditório e ampla defesa; informativo, pois sua essência é de reunir e expor informações, e preparatório, pois sua finalidade é justamente preparar a ação penal. É, ademais, prévio ao processo.

Por ser um procedimento administrativo, parte da doutrina afirma que eventuais vícios na estrutura inquiritorial não contaminam a ação penal! Para essa corrente, defeitos encontrados na investigação policial consistem em meras irregularidades que não afetam a substância nem atingem o processo penal. Esse é um fato interessante, porém a respeito do qual há divergência. A Teoria da Ilicitude de Provas, por exemplo, é perfeitamente aplicável à fase policial da persecução penal: o artigo 5º, LVI, da Constituição Federal dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Tal disposição é, ainda, confirmada pelo artigo 157, caput, do Código de Processo Penal: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Faz-se seguro afirmar, destarte, que provas ilícitas e suas derivadas constituem vícios que, inevitavelmente, contaminam a persecução como um todo.

O inquérito policial tem por objetivo identificar e colher elementos de informação, que visam a oferecer norteamento acerca da autoria e materialidade da infração penal. Dentre esses elementos, destaquemos as fontes de prova: pessoas ou coisas que possam vir a oferecer as provas propriamente ditas. É pacífico na doutrina que não se produz prova no inquérito policial, mas, como veremos adiante, há exceções. Façamos, antes, este adendo: mais que identificar e colher elementos de informação, podemos - e devemos! - reconhecer que o inquérito policial tem finalidade de revelar a verdade dos fatos como forma de promover a justiça criminal.

Falemos, agora, dos três tipos de prova que o inquérito pode produzir: as provas cautelares, que são aquelas que correm risco de serem alteradas ou de desaparecerem ao longo do tempo; as provas não repetíveis, que, uma vez produzidas, não se podem produzir novamente, e as provas antecipadas, que são colhidas o quanto antes em casos de possível perecimento da testemunha.
* As provas cautelares e antecipadas precisam de autorização judicial para serem produzidas.

A respeito dos elementos de informação do inquérito, vejamos o que dispõe o artigo 155 do Código de Processo Penal:

Artigo 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Não se pode, em hipótese alguma, condenar alguém com base nos elementos informativos exclusivamente. Diz-se, por isso, que os elementos de convicção produzidos no inquérito policial têm valor probatório relativo, ou seja, a validade desse material depende da compatibilidade com as provas posteriormente colhidas na fase judicial.

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