Crimes dos artigos 230, 231 e 234

Crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente

Uma vez enfrentadas as questões atinentes à apuração de atos infracionais cometidos por adolescentes, prosseguimos ao estudo da parte criminal do Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto aos crimes nele previstos.

Para cada crime estudado, vamos analisar o rito processual aplicável, os sujeitos, o elemento subjetivo e o momento de consumação dos delitos.

Esta análise depende de alguns conceitos quanto ao rito processual, momento de consumação do delito e quanto ao sujeito ativo do crime, de modo que vale uma breve explicação introdutória.

  • Consumação: descrita no art. 14, I do Código Penal, diz respeito à concretização do crime – foram cumpridos todos os atos preparatórios e executórios, integralmente, até a produção do resultado naturalístico ou da conduta tipificados. A respeito do momento da consumação, os crimes podem ser classificados em:
  1. Crime material – prevê, no tipo penal, um resultado naturalístico que deve ocorrer para a consumação do delito (ex.: matar alguém, art. 121 CP – deve ocorrer a morte para que se configure o crime).
  2. Crime formal – o tipo penal descreve uma conduta e prevê um resultado, que não necessariamente deve ocorrer para que se consume o delito (ex.: crime de extorsão, art. 158 CP – no caso, basta constranger alguém com intuito de receber vantagem indevida para que se configure o crime, sem a necessidade de se receber, de fato, a vantagem econômica).
  3. Crime de mera conduta – o tipo penal descreve exclusivamente uma conduta que, se adotada, consuma o crime, sem a necessidade de qualquer resultado naturalístico (ex.: crime de omissão de socorro, art. 135 CP – basta que não se preste socorro a alguém em perigo para que se configure o crime, sem a necessidade de que a pessoa em perigo sofra de fato qualquer lesão ou prejuízo).
  • Classificação do crime conforme o sujeito ativo: os crimes podem ser comuns ou de mão própria (crimes próprios) conforme o sujeito ativo.
  1. Crimes Próprios são aqueles que só podem ser cometidos por determinadas pessoas, uma vez que o tipo penal exige determinadas características do sujeito ativo. É o caso, por exemplo, dos crimes cometidos por funcionários públicos ou do crime de infanticídio (que só pode ser cometido pela mãe).
  2. Crimes Comuns, por sua vez, são aqueles que podem ser cometidos por qualquer pessoa, uma vez que não se exige nenhuma característica específica do sujeito ativo.
  • Rito processual: A Lei Henry Borel (L. 14.344/22) alterou o ECA, vedando a aplicação da Lei 9.099 em crimes cometidos contra crianças ou adolescentes. Vejamos:

“Art. 226. ............................................................................................................

§ 1º Aos crimes cometidos contra a criança e o adolescente, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

§ 2º Nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, é vedada a aplicação de penas de cesta básica ou de outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.” (NR)

Feitas estas considerações, passemos a analisar alguns dos crimes tipificados no Estatuto da Criança e do Adolescente:

Apreensão indevida de criança ou adolescente:

Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.

Sabendo que o ECA permite a apreensão da criança ou adolescente apenas por determinação judicial ou em prisão em flagrante, a apreensão que se dá fora destes parâmetros configura o crime do art. 230 do ECA.

Trata-se de crime comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, que se consuma com a restrição de liberdade da criança ou do adolescente (sujeitos passivos), desde que se verifique o dolo específico de restringir a liberdade fora das hipóteses legais (não se admite a modalidade culposa neste crime).

 Por esta análise, vê-se que o bem jurídico tutelado é a liberdade de locomoção do adolescente.

O crime tem pena máxima de 2 anos. No entanto, como vimos, não é mais aplicável o rito sumaríssimo da Lei dos Juizados a crimes cometidos contra crianças/adolescentes. 

Do mesmo modo, podemos observar o artigo 231 do ECA:

Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Neste caso, o crime é cometido pela autoridade policial responsável pela apreensão de criança ao adolescente (crime próprio só pode ser cometido por determinada pessoa), que dolosamente deixa de comunicar a apreensão ao juiz competente e à família do menor apreendido.

Assim como no crime do art. 230, verifica-se a correspondência do crime ao descumprimento de formalidades e requisitos exigidos a respeito da apreensão de crianças e adolescentes.

Neste caso, tem-se que a apreensão se deu pelos requisitos legais (em flagrante ou por determinação judicial), mas não foi devidamente informada ao juiz ou à família do apreendido.

Trata-se de crime de menor potencial lesivo, cuja apuração segue o rito sumaríssimo.

Consuma-se com o mero ato de deixar de informar a apreensão ao juiz ou à família do apreendido, de modo que é crime formal (não é necessário comprovar resultado naturalístico ou prejuízo para que se configure) e não admite tentativa.

Manutenção indevida da apreensão

Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Este também é um crime próprio, que só pode ser cometido pela autoridade competente para a liberação da criança ou do adolescente, notadamente o juiz ou a autoridade policial.

O crime é formal e se consuma com o mero ato da autoridade de manter a apreensão da criança ou adolescente, a partir do momento em que tem conhecimento da ilegalidade da medida, com dolo específico de restringir sua liberdade (não se admite a figura culposa neste caso).

O crime tem pena máxima de 2 anos. No entanto, como vimos, não é mais aplicável o rito sumaríssimo da Lei dos Juizados a crimes cometidos contra crianças/adolescentes.

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