Poder Regulamentar

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O poder regulamentar típico é a atribuição da Administração Pública de editar atos normativos com a finalidade de complementação de leis, visando a que elas sejam efetivamente aplicadas. A estes atos normativos damos o nome de regulamentos executivos.

A existência dessa espécie de poder reconhece a impossibilidade real de o Legislativo, por si só, regulamentar todos os aspectos de todas as instituições estruturais do nosso país. Surge, assim, a hipótese de a Administração agir em movimentação atípica de suas atribuições para assegurar a efetividade de certas normas válidas, mas sem a prerrogativa de normatividade propriamente dita.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (CFRB 88)

Chamamos a atenção para a determinação expressa da competência privativa do Presidente da República que não deve ser interpretada de maneira restritiva, pois, por força do princípio da simetria, esta competência se estende aos Chefes do Executivo de todos os entes federativos, no que couber. Explica-se: o princípio da simetria estabelece que haja congruência entre as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais com a nossa Constituição Federal. O atende a esta deverá, por conseguinte, atender àquelas. Desta forma, o que vale, em âmbito Federal, ao Presidente da República, deverá valer, em âmbito estadual, ao Governador e, em âmbito municipal, ao Prefeito. Claro, nas disposições em que for cabível esta distribuição, pois se sabe que alguns poderes são, de fato, exclusivos do Chefe de Estado.

O princípio da legalidade exposto no artigo 5º, II da Constituição Federal surge como reforço à ideia de complementariedade dos regulamentos executivos bem como estabelece limites às matérias passiveis de exploração por essa espécie normativa. Os regulamentos executivos não possuem força normativa para criar obrigações primárias. Porém, algumas obrigações podem surgir de regulamentos executivos, apenas de forma secundária e que possa auxiliar a aplicabilidade da lei já existente.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Não existe regulamento executivo sem uma lei anterior a qual ele deseje regular.

Os princípios da legalidade e da reserva legal estabelecem limites à atuação do poder regulamentar da Administração Pública. Se esta atua em desrespeito a tais princípios, estamos diante de um caso de abuso de poder regulamentar. Ao ultrapassar a esfera de atuação legalmente permitida, a Administração Pública estaria usurpando a função típica do Legislativo e violando a sua competência.

Vimos que a função típica do regulamento executivo é a de complementar norma válida sem aplicabilidade clara, sem, no entanto, gerar nova fonte de Direito.

Agora veremos como esta espécie normativa se comporta em sua função atípica, ou seja, criando normas/obrigações de fato, agindo como fonte de Direito.

A primeira manifestação desse fenômeno se dá pelo decreto regulamentar, pela regulamentação técnica. Basicamente, a lei delega a prerrogativa de criação de normas para entidades especializadas devido à complexidade técnica da matéria. De maneira geral, essa competência é dada às Agências Reguladoras do Estado. Ressalta-se que criação de norma não é sinônimo de criação de lei! Leis requerem procedimento próprio e exclusivo do Poder Legislativo. O produto normativo dessa delegação administrativa será de normas secundárias.

Importante ressaltar que a referida delegação ao administrativo do poder de criar norma não é completa e integral. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico calcado nos critérios políticos e administrativos, transferindo tão somente a competência para a regulamentação técnica mediante parâmetros previamente enunciados na lei.

A segunda manifestação acontece através do regulamento autônomo ou decreto autônomo. Diferentemente da regulamentação técnica, nesta hipótese, não há lei que autorize a regulamentação e por isso ela manifesta-se como se lei fosse, explorando matéria ainda não disciplinada. Deve haver, desta sorte, alguns casos em que a Constituição autoriza determinados órgãos a produzir atos que, tanto quanto as leis, emanam diretamente da Carta e têm natureza primária. Vejamos o disposto em seu artigo 84, VI:

Art. 84. (CRFB88) Compete privativamente ao Presidente da República:

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

Como podemos notar, apesar da autorização, a Constituição impõe condições à realização do ato a fim de garantir a excepcionalidade dele e de impedir sua utilização com fins arbitrários e ilegais.

ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS. PORTARIA Nº 113/99, DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO NÃO PREVISTA EM LEI. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF/88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale assentar que a Administração só pode atuar de acordo com o que a lei determina. Desta sorte, ao expedir um ato que tem por finalidade regulamentar a lei (decreto, regulamento, instrução, portaria, etc.), não pode a Administração inovar na ordem jurídica, impondo obrigações ou limitações a direitos de terceiros. 2. Consoante a melhor doutrina, "é livre de qualquer dúvida ou entredúvida que, entre nós, por força dos arts. 5, II, 84, IV, e 37 da Constituição, só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer. Vale dizer: restrição alguma se impõem à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos." (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros Editores, 2002, págs. 306/331) 3. A Portaria nº 113/99, do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, a pretexto de regulamentar o cumprimento do disposto na Lei 8.918/94 e no Decreto nº 2.314/97, sobre os requisitos para a importação de bebidas alcóolicas, inovou na ordem jurídica, impondo obrigação não prevista em lei, in casu, a apresentação, para o desembaraço aduaneiro das mercadorias, da declaração consular da habilitação do importador pelo estabelecimento produtor, em afronta ao princípio da legalidade. 4. Deveras, a imposição de requisito para importação de bebidas alcóolicas não pode ser inaugurada por Portaria, por isso que, muito embora seja ato administrativo de caráter normativo, subordina-se ao ordenamento jurídico hierarquicamente superior, in casu, à lei e à Constituição Federal, não sendo admissível que o poder regulamentar extrapole seus limites, ensejando a edição dos chamados "regulamentos autônomos", vedados em nosso ordenamento jurídico, a não ser pela exceção do art. 84, VI, da Constituição Federal. 5. Recurso especial a que se nega provimento.

(STJ - REsp: 584798 .PE 2003/0157195-7, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 04/11/2004, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 06/12/2004)

Nesta esteira, vejamos que tipos de controle podem ser exercidos sobre o Poder Regulamentar:

  • O artigo 49, V da Constituição Federal permite que haja controle legislativo dos atos abusivo, sendo possível que o Congresso Nacional suste o ato quando ele exorbitar sua zona de atuação. Esse controle é fruto do sistema de freios e contrapesos que gerenciam a dinâmica das funções típicas e atípicas dos Poderes Estatais Legislativo, Executivo e Judiciário.
  • O controle judicial sempre será possível quando houver ofensa à lei. Mas seu controle apenas se dará quanto à adequação do regulamento à lei que o autoriza e aos fins a que se determina, e nunca à materialidade do ato administrativo, como já visto. Deverá ser um juízo de simplesmente legalidade sobre a situação. O panorama se modifica quando falamos de decretos autônomos: aqui, por possuírem características de lei primária, e sendo frutos de determinação constitucional, serão alvos de controle de constitucionalidade.
  • O controle administrativo manifesta-se também pelo poder de autotutela, que permite a revisão dos atos de ofício pela própria Administração Pública.
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