Prisão em Flagrante

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A prisão em flagrante delito é prevista no art. 5º, LXI, da CF, sendo uma das três modalidades de prisão processual. Merece especial importância por ser uma das formas de prisão mais frequentes na realidade.

Conceito

O termo flagrante provém do latim flagrare e significa queimar, arder. Logo, a prisão em flagrante delito é aquela que ocorre quando o crime ainda arde. Ou seja, é aquela que ocorre no momento que o delito está sendo cometido ou imediatamente após.

É uma medida restritiva, de natureza cautelar e eminentemente administrativa (decorre do fato, independentemente de autorização judicial). O que legitima a prisão nesse caso é a visualização da ocorrência do crime pela própria pessoa que dá a voz de prisão, em razão de convicção aparente de materialidade e autoria.

Sintetizando, nas palavras de FERNANDO CAPEZ, a prisão em flagrante delito é:

"medida restritiva de liberdade, de natureza cautelar e processual, consistente na prisão, independentemente de ordem escrita do Juiz competente, de quem é surpreendido cometendo ou logo após cometer um crime ou uma contravenção"

 Atenção: qualquer pessoa do povo pode prender alguém por flagrante delito, e as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de realizar tal prisão. (art. 301, CPP)

Espécies de flagrante

Flagrante Próprio

Ocorre quando o sujeito é surpreendido cometendo infração penal ou quando acabou de cometê-la. É hipótese prevista no art. 302, incisos I e II, do CPP.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

Flagrante Impróprio (Irreal ou Quase-flagrante)

Ocorre quando o sujeito é perseguido logo após a infração penal, em situação que faça seguramente presumir ser ele o autor do fato. É hipótese prevista no art. 302, inciso III, do CPP.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

O termo "logo após" compreende todo intervalo de tempo a incluindo chegada da polícia, a colheita das provas e o início da perseguição. Não há prazo para isso (nem 24h, nem nada). Iniciada a perseguição, para caracterizar o flagrante, esta não pode ser interrompida.

Flagrante Presumido

Ocorre quando o sujeito é preso logo depois da infração penal, portando objeto, armas, objetos ou papéis que façam supor ser ele o autor do crime. É hipótese prevista no art. 302, inciso IV, do CPP.

Nesse caso, não é necessário que haja perseguição, bastando a descoberta de situação suspeita momentos após o crime.

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Flagrante Compulsório ou Obrigatório

Ocorre quando há obrigação de se efetuar a prisão. Ou seja, é todo flagrante lícito desencadeado por autoridades e agentes de segurança pública (polícia civil, polícia militar em serviço, polícia ferroviária e corpo de bombeiros), os quais possuem o dever legal de efetuá-la mediante a presença de conduta delituosa.

CPP

Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Flagrante Facultativo

Ocorre quando não há obrigação de se efetuar a prisão - o ato é facultativo. É todo flagrante lícito abordado por cidadão comum, guarda civil, agente de força de segurança em licença ou em folga.

Flagrante Esperado

Ocorre quando há atividade pretérita da autoridade judicial no sentido de flagrar o suspeito, ou seja, atividade proativa que antecede o início da execução delitiva. A polícia, já sabendo da possibilidade do cometimento de determinado crime, procura antecipar-se ao criminoso, fazendo campana e aguardando o início dos atos preparatórios para então prendê-lo.

Conforme Entendimento nº 567 do Superior Tribunal de Justiça, aonde se discutiu a legitimidade desta forma de prisão, é um tipo de flagrante lícito pois não representa um cerceamento ou um agir de má-fé das autoridades em relação ao suspeito, não ficando impedido o crime de ser considerado consumado.

Flagrante Preparado ou Forjado

Ilícito. Ocorre quando o agente é induzido ou instigado a cometer o delito para que, então, seja preso em flagrante.

É tipo de flagrante ilícito, uma vez que é o próprio Estado quem provoca o crime, retirando-se o elemento da livre e espontânea vontade consciente do sujeito de se infringir lei. Conforme a Súmula 145 do STF, nesse caso, considera-se que a ação da polícia fez com que fosse impossível de o crime se realizar de fato:

Súmula 145. Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

Flagrante Prorrogado (Retardado, Postergado, Diferido, Estratégico ou Ação Controlada)

Ocorre quando a autoridade ou os agentes de segurança pública, diante de flagrante próprio já estabelecido, retardam a captura, com a finalidade de prender com maiseficácia ou de prender o maiornúmero possível de indivíduos. Tem, assim, feição estratégica.

A Lei 12.850/13 (Lei da Organização Criminosa) prevê a chamada ação controlada, da seguinte forma:

Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

§ 1o O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.

§ 2o A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada.

§ 3o Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.

§ 4o Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

Art. 9º Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

No caso das leis 11.343/06 (Lei de Drogas) e 12.683/12 (Lei regulamentadora da persecução por lavagem de dinheiro), exige-se prévia autorização judicial e oitiva do MP para realizar o flagrante prorrogado.

Flagrante Forjado

Ocorre quando é armada uma situação de aparente flagrante delito para incriminar pessoa inocente. O real infrator, nesse caso, será quem fez denunciação caluniosa ou praticou abuso de autoridade.

Claramente, é tipo de flagrante ilícito.

Flagrante por Apresentação

Ocorre quando a pessoa se apresenta à polícia por vontade própria, assumindo um crime.

Não se caracteriza propriamente como flagrante. Aliás, a apresentação da pessoa voluntariamente à polícia impede a sua prisão em flagrante delito.  De tal modo, não haverá a prisão, mas pode haver posterior decretação de prisão preventiva por mandadojudicial.

Anteriormente, vimos o conceito e as espécies de prisão em flagrante delito. Continuaremos vendo nessa aula mais detalhes sobre tal modalidade de prisão.

Momento do flagrante para diferentes tipos de crime

Crime permanente

O crime permanente é aquele em que a consumação do delito se prolonga no tempo. De tal modo, a prisão em flagrante pode ser efetuada a qualquer tempo, enquanto o crime permanece ocorrendo, mesmo se necessário o ingresso domiciliar.

Exemplo: no crime de tráfico de drogas, considera-se que o sujeito permanece cometendo o crime durante todo o período em que está com a posse da droga a ser vendida. Logo, poderá ser ele preso a qualquer hora desse período, mesmo que não esteja de fato vendendo a substância no momento de sua captura. Isto é, se for possível obter claras evidências de que tem ocorrido a prática criminosa.

Crime habitual

O crime habitual é aquele que caracteriza o modo de vida do infrator. Exige-se que o sujeito pratique condutas criminosas reiteradamente, consumando seus crimes com certa frequência.

Pela dificuldade em se aferir a reiteração da conduta, a corrente majoritária da jurisprudência entende que não cabe a aplicação da prisão em flagrante. Mas há posição minoritária, a exemplo de Mirabete, que diz que é, sim, possível a existência de flagrante, nos casos em que for possível identificar a habitualidade criminosa.

Exemplo: prática do exercício ilegal da medicina ou rufianismo.

Crimes de ação penal privada.

A ação penal de iniciativa privada é aquela que, para ser levada ao poder judiciário, depende de iniciativa da vítima ou de seu representante legal, caso ela seja menor ou incapaz (artigo 100, § 2º, do CP, e artigo 30 do CPP).

Para a prisão em flagrante delito, nos crimes de ação de iniciativa privada, deve haver autorização do legitimado/ofendido, por meio de simples manifestação. Portanto, o momento do flagrante, neste caso, é o da manifestação que autoriza tal prisão.

Crime continuado

Conforme o art. 71 do CP, considera-se crime continuado:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (...)

No caso de crime continuado, o flagrante pode ocorrer na verificação da ocorrência de qualquer um dos crimes cometidos, inclusive de mais de um ou de todos eles.

Crime de menor potencial ofensivo

A Lei 9.099/95 (Lei do JEC e JECRIM) define o crime de menor potencial ofensivo:

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.                    

No caso desses crimes, embora o agente possa ser surpreendido em situação de flagrante delito, a lei forneceu tratamento diferenciado, dispensando a prisão ao sujeito que, após a lavratura de termo circunstanciado, for imediatamente levado a juízo ou assumir o compromisso de comparecer em juízo quando requisitado (art. 69, parágrafo único).

Sujeito do flagrante

Sujeito ativo

A pessoa que efetua a prisão, que dá voz de prisão ao capturado. Como sabemos, pode ser qualquer do povo.

Condutor

É a pessoa que apresenta o preso à autoridade policial. Que o conduz. Pode, ou não, ser o sujeito ativo (que fez a captura).

Sujeito passivo

A pessoa detida em situação de flagrante delito.

Entretanto, há algumas exceções, em que a qualidade do sujeito pode isentá-lo da prisão em flagrante delito, a saber:

  • O Presidente da República, mesmo surpreendido em flagrante delito, só pode ser preso por condenação transitada em julgado.

  • Diplomatas estrangeiros podem, ou não, ser presos em flagrante delito, a depender de tratados e convenções internacionais sobre o assunto;

  • Membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante delito por crime inafiançável, assim como os magistrados e membros do Ministério Público – autoridade deve comunicar em 24h o chefe da instituição ou do poder;

  • Advogados só poderão ser presos em flagrante delito em decorrência do exercício de sua profissão no caso de crime inafiançável e diante da presença de representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);

  • Crianças e adolescentes serão presos em flagrante delito pela prática de ato infracional ou por ordem escrita do juiz, sendo imprescindível a comunicação da prisão tanto à autoridade judicial quanto à família. Os menores de 18 anosrespondem com as consequências do Estatuto da Criança e do Adolescente, e com as regras da prisão em flagrante delito no que forem compatíveis com este primeiro;

  • O crime de trânsito não gera flagrante e nem imposição de fiança caso haja pronto e integral socorro à vítima.

Autoridade competente para lavratura do auto

A autoridade policial competente para a lavratura do auto de flagrante delito é aquela da circunscrição onde foi efetuada a prisão.

Não havendo autoridade no local da captura, o preso será apresentado à autoridade policial do local mais próximo.

Procedimento e formalidades

A prisão em flagrante delito segue as seguintes etapas: captura do agente, condução coercitiva até a presença da autoridade policial e lavratura do auto de prisão em flagrante pela autoridade policial.

Dentre e após essas etapas, devem ser observados determinados procedimentos e requisitos.

Comunicações necessárias

Imediatamente após a captura, o juiz, o Ministério público, a família do preso ou outra pessoa indicada devem ser comunicados da ocorrência da prisão (art. 306, caput, CPP).  A inobservância da comunicação implica nulidade absoluta do auto de prisão em flagrante, salvo se o próprio preso deixa de indicar pessoa de confiança ou familiar.

Oitivas

Diante da autoridade policial, todos os envolvidos devem ser ouvidos, da seguinte forma (art. 304, CPP):

  • Primeiro será ouvido o condutor, colhendo-se, desde logo, sua assinatura e entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso.

  • Em seguida, serão ouvidas as testemunhas presentes e colhidas suas assinaturas. A falta de testemunhas deve ser suprida pela assinatura de duas pessoas (além do condutor) que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade.

    • Por último, será feito o interrogatório do acusado. Lembrando que o preso possui o direito a permanecer em silêncio, o que lhe deve ser explicitado quando lavrado o auto. Após, o preso deve assinar a transcrição de seu depoimento. Caso se recuse, não saiba, ou não possa assinar, o auto de prisão em flagrante deverá ser assinado por duas testemunhas que tenham ouvido sua leitura na presença deste.

Será admitida a presença do advogado durante todos esses procedimentos policiais, embora esta não seja imprescindível.

Lavratura do auto de prisão em flagrante

O auto deverá conter informações das oitivas, bem como informação sobre a existência de filhos, respectivas idades, se possuem alguma deficiência, e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicados pela pessoa presa (art. 304, §4º, CPP).

Será admitida, mas prescindível, aqui também, a presença do advogado durante todos esses procedimentos policiais.

Se autoridade policial se convencer de fundada suspeita contra o conduzido, determinará que se recolha o capturado à prisão, exceto no caso de se prestar fiança, e os autos serão encerrados e encaminhados à autoridade judicial (art. 304, §1º, CPP).

Embora haja discussão a respeito, parte significativa da doutrina e da jurisprudência entende que a autoridade policial, por conta própria, pode deixar de prender em flagrante e de lavrar auto caso verifique ser a prisão infundada ou ilegal.

Após lavratura do auto

Após a lavratura do auto, em até 24h este deverá ser levado a juiz, e uma cópia integral deverá ser encaminhada para a Defensoria Pública no caso de preso sem advogado (art. 306, §1º).

A lei não fala em vista obrigatória dos autos ao MP nesse caso, mas há Resolução nesse sentido.

Também em até 24h será entregue nota de culpa ao preso, mediante recibo, com o motivo da prisão, nome do condutor e das testemunhas (art. 306, §2º). Se preso se recusar a receber, tal será atestado por duas testemunhas.

Com o auto de prisão em flagrante em mãos, o juiz deverá (art. 310, CPP):

  • Relaxar a prisão, se considerada ilegal;

  • Converter a prisão em flagrante em prisão preventiva (tema de futuras aulas), se inadequadas outras medidas cautelares;

  • Decretar a liberdade provisória, com ou sem fiança, atendidos os requisitos legais.

Audiência de custódia

Como já vimos, após a prisão, o auto do flagrante deve ser encaminhado em até 24h ao juiz.

Em 2015, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 213/15 para determinar que, além disso, o próprio preso seja apresentado ao juiz no prazo de 24h, no que se chama de audiência de custódia.

Tal audiência deve contar com a presença do juiz, de representante do Ministério Público, do preso e do seu respectivo advogado ou defensor público. Nela, o preso poderá narrar as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão, além de prestar outras informações pertinentes para, então, o juiz já decidir sobre a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, a concessão de liberdade provisória (não se encontrando elementos que levem à necessidade da prisão cautelar), o relaxamento da prisão (usado nos casos em que a prisão foi decretada em desacordo com as normas legais) ou a imposição de outras medidas cautelares. Saiba mais!

Tal Resolução vai de encontro com a garantia já prevista no art. 7º, 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), segundo o qual:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Tais audiências de custódia visam a humanizar o processo, colocando o juiz em direto contato com a pessoa atingida pelos efeitos da decisão judicial, além de coibir possíveis torturas e abusos de autoridade no período que sucede a captura.

Outras regras da aplicação das audiências de custódia são definidas por outras normas do CNJ e de cada Tribunal.

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