Publicado em: 13/11/2020 por Ederson Santos Pereira Rodrigues


Narrativa

Roberto, professor de história, cidadão e grande entusiasta da cultura local do município Alfa, decide se juntar à ONG História Viva por indicação de seu amigo argentino Garcíaz - que veio ao Brasil para trabalhar por 1 ano. A organização possui como objetivos o incentivo e a preservação do aprendizado histórico e cultural para a população jovem, através de aulas públicas, visitas aos museus e monumentos da cidade, além do fomento à pesquisa.

Alguns meses após ter ingressado na ONG, Roberto fica sabendo que a sociedade empresária Super Vias, concessionária do serviço de manutenção de uma estrada municipal, decidiu ampliar suas instalações de apoio, construindo um novo posto no local onde atualmente está um dos monumentos do município: o casarão Alfa, tombado como patrimônio histórico. A ONG entrou em contato com a concessionária para questionar o projeto e o diretor da empresa afirmou que obteve a autorização e licença administrativa com o assessor do prefeito.

Preocupado com a possível destruição do monumento histórico da cidade e indignado com a autorização apresentada pela concessionária, Roberto se reúne com com Garcíaz para discutir formas de impedir que a obra seja realizada.

Questões

Com base na situação apresentada, responda:

  1. Qual é a medida judicial adequada para atender à pretensão de Roberto? Fundamente.
  2. Quem são os legitimados a propor a ação contra o ato?
  3. Desanimado com a ideia, Roberto abandona o processo. O que pode ocorrer em seguida?
  4. Supondo que o ato da concessionária resultasse em danos morais ou patrimoniais ao Meio Ambiente, qual outro instrumento processual poderia ser utilizado?

Resolução

Resposta 1

Qual é a medida judicial adequada para atender à pretensão de Roberto? Fundamente.

A medida judicial adequada ao caso é a Ação Popular, visto que Roberto pretende anular o ato administrativo lesivo ao patrimônio histórico e cultural do município. Trata-se de situação em que o ato contém ilegalidade e lesividade, ou seja, possui uma característica contrária à Lei e apresenta o risco de dano à um bem jurídico.

No caso em tela, a ilegalidade está na incompetência de quem proferiu o ato administrativo: o assessor do prefeito não possui a prerrogativa de formalizar licenças e autorizações administrativas desta natureza. Além disso, o ato é considerado lesivo porque pode levar à danificação de um patrimônio público, de cunho histórico e cultural.

A Ação Popular está prevista na Constituição Federal e regulada na Lei 4.717/65:

CF/88

Art. 5º [...]

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Lei 4.717/65

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.

Resposta 2

Quem são os legitimados a propor a ação contra o ato?

Como vimos anteriormente, qualquer cidadão é parte legítima para propor Ação Popular. A cidadania é definida pelo gozo dos direitos civis e políticos, ou seja, no ordenamento jurídico brasileiro é cidadão aquele que possui título de eleitor regularizado. A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação penal ou administrativa retira a legitimidade para a proposição desta ação.

Portanto, Roberto é parte legítima no eventual processo, mas Garcíaz não cumpre a condição de cidadania brasileira para tanto. Ademais, é importante dizer que a ONG História Viva também não possui a legitimidade, visto que é pessoa jurídica. O STF firmou esse entendimento em súmula:

Súmula 365 STF

Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.

Jurisprudência pertinente

Ilegitimidade da pessoa jurídica para propor ação popular

De início, não me parece que seja inerente ao regime democrático, em geral, e à cidadania, em particular, a participação política por pessoas jurídicas. É que o exercício da cidadania, em seu sentido mais estrito, pressupõe três modalidades de atuação cívica: o ius suffragii (i.e., direito de votar), o jus honorum (i.e., direito de ser votado) e o direito de influir na formação da vontade política através de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis (...). Por suas próprias características, tais modalidades são inerentes às pessoas naturais, afigurando-se um disparate cogitar a sua extensão às pessoas jurídicas. Nesse particular, esta Suprema Corte sumulou entendimento segundo o qual as"pessoas jurídicas não têm legitimidade para propor ação popular" (Enunciado da Súmula 365 do STF), por essas não ostentarem o status de cidadãs. (...) "Deveras, o exercício de direitos políticos é incompatível com a essência das pessoas jurídicas.
[ADI 4.650, rel. min. Luiz Fux, P, j. 17-9-2015, DJE 34 de 24-2-2016.]

Vale ressaltar que é necessária a presença de advogado para representar Roberto (o cidadão) no processo (capacidade postulatória).

Resposta 3

Desanimado com a ideia, Roberto abandona o processo. O que pode ocorrer em seguida?

Caso Roberto desista da ação, é possível que outro cidadão se habilite como autor:

 Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.

Art. 7º A ação obedecerá ao procedimento ordinário, previsto no Código de Processo Civil, observadas as seguintes normas modificativas:

II - Quando o autor o preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo de 30 (trinta) dias, afixado na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3 (três) dias após a entrega, na repartição competente, sob protocolo, de uma via autenticada do mandado.

Observa-se que o Ministério Público poderá agir como autor da ação se nenhum cidadão o fizer. Esse ingresso no processo é chamado de "legitimação extraordinária", pois só pode ocorrer nesta hipótese específica -  o MP não pode propor a Ação Popular de início.

Resposta 4

Supondo que o ato da concessionária resultasse em danos morais ou patrimoniais ao Meio Ambiente, qual outro instrumento processual poderia ser utilizado?

Assim como a Ação Popular, a Ação Civil Pública pode ser proposta para proteger o Meio Ambiente. Ela está prevista na lei 7.347/85 e possui a função de tutelar interesses difusos e coletivos, objetivando a responsabilidade por danos morais ou patrimoniais efetivados ou iminentes.

Apesar de possuírem características em comum, as duas ações se diferem em alguns pontos. Vejamos:

Ação Popular Ação Civil Pública

 Remédio constitucional

 Ação constitucional (também sendo aceita a classificação de remédio constitucional, apesar da não previsão no art 5º da CF)

 Art. 5º, LXXIII, CF

 Lei 4.717/65

 Art. 129, III, CF

 Lei 7347/85

 Legitimidade ativa: cidadão (titulo de eleitor);

 MP - apenas autor extraordinário 

 Legitimidade ativa: MP, DP, Administração direta e indireta; Associações, Conselho federal e Seccional da OAB.

 Legitimidade passiva: envolvidos com o ato pertencente à Administração Pública (funcionários, administradores, beneficiários, pessoa jurídica etc.)

 Legitimidade passiva: qualquer pessoa física ou jurídica

 Objetivo: anular ato lesivo

 Objetivo: reparar, desfazer, obrigar a fazer algo quanto ao ato lesivo

 Bem jurídico tutelado: patrimônio público e moralidade administrativa

 Bem jurídico tutelado: direitos coletivos e difusos, como meio ambiente e patrimônio público ou social.

Cursos relacionados e materiais complementares

Aqui estão alguns links úteis para aprofundar o tema: