Publicado em: 09/12/2020 por Inara Alves Pinto da Silva


Narrativa

A empresa “A” situada na China firmou contrato de compra e venda de 100 vasos de cerâmica com a empresa “B” sediada no Brasil, cujo prazo estipulado para entrega foi de 90 dias a contar da data do contrato. O preço de cada vaso foi ajustado no valor de R$300,00, totalizando R$30.000,00. As partes concordaram que o pagamento seria feito na data de entrega dos itens. 

Ocorre que, nesse perĂ­odo, a China entrou em guerra, de tal forma que o cumprimento da obrigação se tornou impossĂ­vel. Isso porque a matĂ©ria prima utilizada na produção dos vasos ficou escassa, o que elevou o preço do material. Diante disso, a obrigação ficou excessivamente onerosa para a empresa “A”. 

Por conta disso, a empresa “A”, por meio de notificação extrajudicial, avisou a empresa “B” para que o contrato fosse rescindido. Contudo, para a surpresa da empresa “A”, a empresa “B” recusou a rescisĂŁo contratual, alegando que iria proceder com a execução do contrato apĂłs o fim do prazo de 90 dias estipulado para a entrega dos vasos de cerâmica. 

A empresa “A”, inconformada com a situação, procura um advogado para saber quais as medidas cabĂ­veis no caso. 

Questões

Com base no enunciado acima, pergunta-se:

  1. Como advogado(a) da empresa “A”, o que vocĂŞ faria? Justifique. 
  2. Sintetize os requisitos necessários para aplicação do art. 478 do CC/02.  
  3. A empresa “B” poderia pedir a revisĂŁo contratual? 

Resolução

Como advogado(a) da empresa “A”, o que você faria? Justifique.

No caso, nota-se que o cumprimento da obrigação pactuada entre as partes, qual seja a entrega dos 100 vasos de cerâmica, se tornou impossĂ­vel, tendo em vista a excessiva onerosidade que recaiu sobre a empresa “A”. Isso porque, despontou uma guerra na China, (local onde a empresa Ă© situada) que elevou o preço da matĂ©ria prima utilizada na produção dos vasos. 

Ocorre que a empresa “A” notificou a empresa “B” sobre a situação, e requereu a rescisĂŁo contratual. No entanto, a empresa “B” recusou o pedido. Diante dessa situação, Ă© possĂ­vel que a empresa “A” ajuĂ­ze uma ação de resolução contratual por onerosidade excessiva, nos termos do art. 478 do CC/02: 

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

O contrato celebrado entre as partes Ă© um contrato de execução continuada (ou diferida), pois o pagamento do preço seria realizado quando a mercadoria fosse entregue (prazo de 90 dias). 

Observa-se que houve a quebra do sinalagma contratual, ou seja, a relação contratual ficou desequilibrada, visto que o cumprimento da prestação se tornou excessivamente oneroso para a empresa “A” e vantajoso para a empresa “B”. Caso nĂŁo haja a resolução contratual, a empresa “A” sofrerá prejuĂ­zos e a empresa “B” receberá os vasos de cerâmica por um valor diferente da realidade atual, justamente pela escassez da matĂ©ria prima que elevou o preço do produto final. 

A guerra na China pode ser considerada uma situação excepcional, extraordinária e imprevisĂ­vel, sendo possĂ­vel a aplicação da Teoria da ImprevisĂŁo. Tal fato impactou diretamente o liame contratual, uma vez que a guerra trará consequĂŞncias para o comĂ©rcio da empresa “A”, e a economia do paĂ­s será afetada.     

Nesse sentido, o Enunciado 175 da III Jornada de Direito Civil do CJF/STJ estabelece que:

A menção Ă  imprevisibilidade e Ă  extraordinariedade, insertas no art. 478 do CĂłdigo Civil, deve ser interpretada nĂŁo somente em relação ao fato que gere o desequilĂ­brio, mas tambĂ©m em relação Ă s consequĂŞncias que ele produz. 

Outra questĂŁo se refere ao princĂ­pio pacta sunt servanda que consagra a força obrigatĂłria dos contratos. É possĂ­vel observar a flexibilização desse princĂ­pio nos Tribunais e em posicionamentos doutrinários, principalmente no que diz respeito Ă  resolução por onerosidade excessiva. Portanto, nĂŁo há que se falar em aplicação do princĂ­pio pacta sunt servanda, por toda circunstância do caso. 

Diante do exposto, conclui-se que a medida cabĂ­vel para a empresa “A” Ă© o ajuizamento da ação de resolução contratual por onerosidade excessiva. 

Sintetize os requisitos necessários para aplicação do art. 478 do CC/02.

De acordo com o art. 478 do CC/02 para que haja a resolução por onerosidade excessiva, Ă© necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 

  • Contrato de execução continuada ou diferida: Ă© aquele que na qual o cumprimento da obrigação Ă© postergado para um momento futuro.
  • Fatos supervenientes e eventos extraordinários e imprevisĂ­veis: ocorre quando nĂŁo Ă© possĂ­vel prever o acontecimento e os resultados e consequĂŞncias advindas.   
  • Onerosidade excessiva: uma das partes da relação contratual tem uma excessiva onerosidade decorrente do fato. Ou seja, há uma relação de causalidade entre o evento impossĂ­vel e a excessiva onerosidade. 
  • Extrema vantagem: se refere a um enriquecimento da outra parte da relação contratual que nĂŁo sofreu com a excessiva onerosidade decorrente do fato superveniente, extraordinário e imprevisĂ­vel. 

A empresa “B” poderia pedir a revisão contratual?

De acordo com o  Enunciado 176 da III Jornada de Direito Civil, a empresa “B” poderia pleitear a revisĂŁo contratual, com fundamento no princĂ­pio da conservação dos negĂłcios jurĂ­dicos. O respectivo Enunciado traz a seguinte redação: 

Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

E ainda, o art. 479 do CC/02, sugere a possibilidade da parte rĂ© (empresa “B”) requerer a modificação equitativa das condições do contrato, como forma de evitar a resolução do contrato. 

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Mas para aplicação desse dispositivo, Ă© necessário observar a vontade da parte autora (empresa “A”), como estabelece o Enunciado 367 da IV Jornada de Direito Civil: 

Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada sua vontade e observado o contraditório.

Portanto, a empresa “B” poderia pedir a revisĂŁo contratual. E para que isso se concretize na prática, a empresa “A” deveria concordar com essa revisĂŁo do contrato de compra e venda pactuado entre as partes. 

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