População e Nacionalidade

Introdução

A Convenção de Haia (1930) o fez primeiramente e, depois, a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 proclamou, em seu artigo XV, que toda pessoa tem o direito a uma nacionalidade, proibindo que seja arbitrariamente dela privada, tampouco terá a pessoa o direito de mudá-la.

O Direito Internacional, por meio de convenções e tratados, tenta solucionar o fenômeno indesejado dos apátridas. Segundo o artigo 1 do Estatuto dos Apátridas (1954), apátridas são as pessoas que não sejam consideradas nacionais por nenhum Estado conforme sua legislação. Este estatuto, bem como outros dispositivos internacionais, como a Convenção sobre redução dos apátridas (1961), tem como objetivo garantir aos apátridas o aproveitamento mais amplo possível dos seus direitos e regular sua condição a fim de combater discriminações e violações de direitos arbitrárias, sejam individuais ou coletivas.

Em outras palavras, o fenômeno do apátrida subtrai do ser humano o direito a sua plena realização. O não-pertencimento a algum lugar de onde se possa fazer parte dificulta o acesso à saúde, educação, liberdade religiosa, trabalho, direitos de propriedade e liberdade de locomoção. A situação do apátrida permite que  ele seja alvo fácil de tratamentos arbitrários e abusos. O arbítrio a que estão sujeitos, geralmente por fatores discriminatórios, pode levar a conflitos e deslocamentos de massa, o que sensivelmente gera instabilidade no cenário internacional. Por isso, combater este fenômeno, vez que ainda existem milhões de apátridas no Mundo, é de interesse do Direito Internacional Público, tanto buscando harmonia na esfera propriamente dos Estados, quanto buscando efetivação dos direitos humanos.

Conceito: Nacionalidade é um vinculo jurídico-político que liga um individuo a um determinado Estado, atribuindo-lhe direitos e obrigações.

Espécies de nacionalidade

Primária ou originária 

Decorre do nascimento do individuo, independentemente da sua manifestação de vontade, claro.

Podemos observar essa possibilidade em dois casos:

  1. ius sanguinis:  decorrente de filiação, ascendência; não importa onde o individuo nasceu, pois o fato gerador de sua nacionalidade é seu vinculo sanguíneo. 
  2. ius solis: decorre do território, do local de nascimento do indivíduo.

Secundária ou derivada

Decorre de manifestação de vontade do próprio indivíduo. Estamos falando da naturalização,  que poderá ser concedida em casos específicos. 

Quem é o brasileiro nato?

O Brasil, segundo o artigo 12, inciso I, da Constituição Federal de 1988, adotou com primazia o critério do ius solis, embora tenha aberturas específicas para circunstâncias de ius sanguinis. 

  1. os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que não estejam a serviço de seu país;
  2. os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil.
  3. Os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Quanto ao último item, tratam-se de duas possibilidades, quais sejam:

  • indivíduo nascido no exterior, mas de pai ou mãe brasileira, e que seja registrado em repartição brasileira em tempo de assegurar a sua nacionalidade via ius sanguinis
  • depois de atingida a maioridade legal, o indivíduo, que nasceu no estrangeiro, opta por residir no Brasil e requerer a nacionalidade brasileira. Daí chamar-se de nacionalidade potestativa, pois depende da exclusiva vontade do filho. Note que, antes de completar 18 anos, se requerida, o registrando terá a nacionalidade brasileira provisória.

Naturalização

Conforme disposto na Lei 13.445/17, nova Lei de Imigração, em seu artigo 64, a naturalização pode ser:

I - ordinária;

II - extraordinária;

III - especial; ou

IV - provisória.

Art. 65.  Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;

III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Art. 66.  O prazo de residência fixado no inciso II do caput do art. 65 será reduzido para, no mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições:

II - ter filho brasileiro;

III - ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização;

V - haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil; ou

VI - recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística.

Parágrafo único. O preenchimento das condições previstas nos incisos V e VI do caput será avaliado na forma disposta em regulamento.

Art. 67. A naturalização extraordinária será concedida a pessoa de qualquer nacionalidade fixada no Brasil há mais de 15 (quinze) anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeira a nacionalidade brasileira.

Art. 68.  A naturalização especial poderá ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das seguintes situações:

I - seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou

II - seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos.

Art. 69.  São requisitos para a concessão da naturalização especial:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

III - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Art. 70.  A naturalização provisória poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal.

Parágrafo único.  A naturalização prevista no caput será convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer no prazo de 2 (dois) anos após atingir a maioridade.

 É vedada qualquer distinção de direitos entre os nacionais natos e naturalizados, como disposto na Lei 6192/74 e artigo 12 § 2º da Constituição Federal.  Existem casos específicos em que se justifica a distinção, quando por motivos de segurança nacional e manutenção da soberania do país, a exemplo de cargos privativos de cúpula dos três poderes e outras funções de cargos oficiais das forças armadas e missões diplomáticas.

Conforme a Lei 6.192/74, das restrições a brasileiros naturalizados:

Art. 1º É vedada qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados.

Bem como dispõe o artigo 12,§ 2º da CF/88: "a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição."

As únicas distinções ou restrições possíveis, sob motivação de proteção da soberania nacional e assuntos de interesse do Estado, estão elencadas nos seguintes artigos da Constituição da República de 1988:

Art 12, 

§ 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:

I -  de Presidente e Vice-Presidente da República;

II -  de Presidente da Câmara dos Deputados;

III -  de Presidente do Senado Federal;

IV -  de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V -  da carreira diplomática;

VI -  de oficial das Forças Armadas;

VII -  de Ministro de Estado da Defesa.

Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam:

- o Vice-Presidente da República;

II - o Presidente da Câmara dos Deputados;

III - o Presidente do Senado Federal;

IV - os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados;

- os líderes da maioria e da minoria no Senado Federal;

VI - o Ministro da Justiça;

VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução.

Perda da Nacionalidade

Conforme disposto na CF/88:

Art. 12. [...]

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de fraude relacionada ao processo de naturalização ou de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

II - fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira perante autoridade brasileira competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia.  

§ 5º A renúncia da nacionalidade, nos termos do inciso II do § 4º deste artigo, não impede o interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária, nos termos da lei. 

Vamos entender melhor o inciso II deste artigo:

O cidadão brasileiro pode ter dupla nacionalidade, desde que o Estado estrangeiro reconheça sua nacionalidade originária brasileira. Se, em razão de imposição de norma estrangeira para permanência e exercício de direitos civis, o brasileiro naturalizar-se em outra nacionalidade, ele não perde o direito a nacionalidade brasileira.

Ou seja, as únicas possibilidades de um brasileiro perder a nacionalidade são:

  1. Brasileiro naturalizado que pratica fraude ao processo de naturalização ou ato que atente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
  2. Brasileiro (nato ou naturalizado) que, voluntariamente, requerer, mediante processo, a perda de nacionalidade com expressa manifestação de vontade nesse sentido.

Direitos dos Estrangeiros

A Convenção de Havana sobre estrangeiros (1928) obrigou os Estados a concederem aos estrangeiros, sob sua jurisdição, direitos e garantias individuais semelhantes, senão iguais, aos de seus cidadãos.

Sob igual entendimento, outros pactos e convenções internacionais debruçaram-se sobre o tema, com o fim dos Estados determinarem as condições dos estrangeiros em seus respectivos territórios, de modo que não mais existissem discriminações arbitrárias e violações de direitos fundamentais.

Diz a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), em seu artigo 1º:

Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Encontra-se, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), em seus respectivos artigos:

Art 2º. Cada um dos Estados-Signatários no presente Pacto compromete-se a respeitar e a garantir a todos os indivíduos que se encontrem no seu território e estejam sujeitos à sua jurisdição, os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem distinção alguma de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Artigo 26.º Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação, a igual protecção da lei. A este respeito, a lei proibirá toda a discriminação e garantirá a todas as pessoas protecção igual e efectiva contra qualquer discriminação por motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

Internamente, a proteção aos direitos do estrangeiro está disposta na Lei 13.445/17, que regula os direitos e deveres do migrante e visitante, bem como estabelece diretrizes para as políticas públicas para o emigrante.

O objetivo principal dessas regulamentações sobre os direitos do estrangeiro, no âmbito internacional e nacional, é justamente garantir que, sob qualquer jurisdição, o indivíduo tenha acesso aos bens e serviços públicos de saúde e educação, acesso ao mercado de trabalho, inviolabilidade do direito a vida e outros direitos que garantem o amplo gozo da dignidade. Ou seja, a ideia é que estrangeiros tenham seus direitos equiparados, na medida do possível, aos do cidadão nacional.

Direito de asilo

É uma garantia  prevista nos seguintes termos, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: 

Artigo XIV: 

1 - Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 
2 - Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. 

Conforme disposto na Constituição Federal, em seu art 4º, X:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

 X - concessão de asilo político

Ou seja, A CF/88 prevê a possibilidade de conceder asilo político para indivíduo estrangeiro com objetivo de evitar perseguição decorrente de delito político, ideológico ou perseguição arbitrariamente discriminatória no país de origem.

 Essa concessão é matéria de direito interno, ou seja, não se sujeita ao princípio da reciprocidade, cabendo exclusivamente ao governo brasileiro aceitar o recusar o pedido formulado. Contudo, é expressamente vedado o asilo político a terroristas.

Assim como pode conceder asilo, o Brasil pode também deportar, expulsar ou extraditar estrangeiros.

deportação consiste em devolver o estrangeiro que ingressou ou permaneceu irregularmente em território nacional a seu país de origem. Ex: indivíduo que ingressa como turista e desenvolve atividade laboral remunerada. O estrangeiro não fica impedido de retornar ao país depois, desde que, para isso, ele regularize sua situação.

expulsão é o afastamento discricionário e coercitivo de estrangeiro que tenha sido condenado em esfera criminal ou que apresente comportamento considerado de risco para a segurança nacional.

Competência para a expulsão

O Estatuto do Estrangeiro afirma que caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua possível revogação (art 66). Ambas serão feitas por meio de decreto.

A expulsão do estrangeiro está proibida:

  • Quando o estrangeiro tiver cônjuge brasileiro, do qual não esteja divorciado ou separado de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 anos;
  • Quando o estrangeiro tiver filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.

extradição é a entrega ou devolução, mediante requerimento do outro Estado, de indivíduo estrangeiro acusado ou já condenado pela prática de algum crime, a fim de que seja submetido a julgamento ou cumpra a pena que lhe cabe. Trata-se de medida fundada em tratado bilateral ou promessa de reciprocidade, cabendo ao  STF o controle de constitucionalidade e legalidade desse tema.

 Somente os crimes de natureza comum podem dar causa a extradição, ou seja, estão excluídos os delitos de natureza civil ou crimes políticos. A extradição de brasileiros está terminantemente proibida pela CF/88.

 

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