Normas gerais de Direito Financeiro

Função

As normas gerais têm por objetivo uniformizar procedimentos em um sistema de poder. Tendo em vista o sistema federativo brasileiro, os entes são dotados de autonomia, mas não de soberania. Por esse motivo, é necessário um sistema centralizado de coordenação, que possua normas gerais aplicáveis a todos os entes. Dessa forma, para assegurar um mínimo de unidade no federalismo, as normas gerais têm como função homogeneizar as regras comuns e reduzir as divergências das leis de cada um dos entes.

Em que consistem as normas gerais do Direito Financeiro?

O art. 24 da Constituição Federal estabelece, em seus incisos I e II, respectivamente, que é competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre Direito Financeiro e orçamento. Entretanto, o âmbito da competência de cada um dos entes é objeto de polêmicas.

Como diretriz, o § 1º do art. 24, CF, estabelece que a União deve limitar-se a estabelecer normas gerais, no âmbito da legislação concorrente. As normas gerais referidas podem ser entendidas como as que estão dispostas no Capítulo II da Constituição Federal, denominado Das Finanças Públicas, em sua Seção I, Normas Gerais. Ou seja, os temas indicados nesta seção são as normas gerais das finanças públicas, a respeito das quais a União possui competência para legislar.

Como consequência, dentro do Direito Financeiro, há um entendimento de ligação entre normas gerais e leis complementares, tendo em vista que as normas gerais são constitucionalmente estipuladas a serem tratadas via lei complementar. O art. 163 e o art. 165, § 9º da CF são exemplos de dispositivos presentes nesta seção que possuem temas de normas gerais a serem veiculados por leis complementares pela União.

No entanto, apesar de a Constituição indicar temas que devem ser tratados como normas gerais, ela não define em que medida essas normas gerais devem avançar. Nesse ponto, é necessário utilizar do critério da generalidade, que usualmente está relacionado a uma função uniformizadora e coordenadora da norma fundamental para o contexto do federalismo. Dessa forma, busca garantir concomitantemente autonomia e coexistência das esferas de poder.

É comum encontrar o entendimento de que a norma geral é veiculada por uma lei nacional, e que ela deve atingir, de modo uniforme, a União, os Estados e os Municípios, pois só assim se caracteriza como norma geral.   

Abrangência da norma geral de Direito Financeiro

Segundo a doutrina, na definição clássica de Carvalho Pinto de 1949, as normas gerais compreendem todos os setores do Direito Financeiro, ou seja, a gestão e aplicação dos bens públicos na consecução dos fins do Estado, inclusive de Contabilidade Pública. Além disso, possuem dois requisitos:

  1. Normas cuja generalidade caracteriza-se pela indiscriminada extensão a entes públicos e 
  2. Normas propriamente fundamentais e básicas, com exclusão das que importem em pormenores ou desdobramentos detalhados.

Diante dessa ampla definição, é preciso considerar, de um lado, a necessária autonomia dos entes subnacionais dentro da federação e que, portanto, a norma geral não deve alcançar. Por outro lado, a função estruturante e coordenadora da norma geral, isto é, o que a norma geral deve alcançar.

Seguindo essa linha, percebem-se momentos históricos de maior ou menor disposição para normas gerais avançarem sob os entes subnacionais. Logo, a orientação é dinâmica, sendo que, em momentos de desequilíbrio das finanças subnacionais, há uma maior propensão a aceitar-se a regulamentação via normas gerais veiculadas por leis complementares, como no caso da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Norma geral via lei ordinária?

A Constituição tende a considerar normas gerais como aquelas veiculadas por leis complementares. Entretanto, no art. 169 da CF, é possível identificar um caso de norma geral regulamentada via lei ordinária. Seu conteúdo trata dos limites de despesas com o pessoal e, em seu caput, determina-se que devem ser estabelecidos em lei complementar.

Contudo, o próprio art. 169, ao estabelecer uma série de medidas para que os entes obedeçam os limites referidos, como a perda de cargo por servidor estável descrita no § 4º, define também que, para essa determinação, é preciso estabelecer normas gerais. Assim, o § 7º do mesmo artigo dispõe que lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no § 4º.

Dessa forma, para a exoneração de servidor estável com fins de cumprimento dos limites de despesa com pessoal, pode-se entender que haverá uma norma geral veiculada, via lei ordinária, por uma lei federal. Em contrapartida, também pode ser interpretado como a utilização do termo norma geral pela Constituição com sentido diverso do de outros trechos. Nesse sentido, essa lei federal só veiculará uma regra para a União, e, portanto, não tem o mesmo sentido de regra geral do Direito Financeiro, como uniformizadora de regras dentro de um contexto do federalismo.

Lei 4.320/64

A Lei 4.320 trouxe preceitos básicos, regras formais e efetivamente de caráter geral sobre o Direito Financeiro. Dessa forma, não há muita discussão sobre a sua limitação e autonomia dos entes subnacionais. Como consequência, ela permanece íntegra e vigente quase em sua totalidade. É importante destacar que, como foi recebida pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar, para a sua alteração também é necessária uma lei complementar.

Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é também uma lei complementar estabelecida como norma geral. Mas possui um outro contexto, tendo em vista que foi criada numa época em que se buscava um maior controle sobre as finanças estaduais e municipais. Por isso, enfrentou questionamentos sobre a violação do pacto federativo.

Na famosa Ação Direta de Inconstitucionalidade 2238 do Distrito Federal, dentre os diversos artigos questionados, houve expressa menção à violação do pacto federativo e autonomia dos entes federados.

Como exemplo, o art. 17, § 1º a 7º, que trata da despesa obrigatória de caráter continuado, aquela que cria, para o ente, obrigação legal de execução por mais de 2 exercícios.

Os parágrafos citados trazem algumas regras para o aumento desse tipo de despesa através da compensação pela redução de outras despesas ou pelo aumento de receita. Foi alegado que essas regras trariam rigidez aos entes subnacionais, e, em vista disso, seria inconstitucional.

Entretanto, na ementa do julgado da ADI referida, foi constatado que a norma não seria responsável pela inflexibilidade de qualquer dos Poderes de Estado ou órgãos da Administração e, por essa razão, não foi considerada ofensiva a separação de poderes ou atentatória ao princípio da autonomia dos entes federados.

Os artigos 19 e 20 da LRF também foram contestados quanto à autonomia dos entes. Eles dispõe sobre percentuais de limites de despesa com o pessoal para a União, Estados e Municípios, e também de cada um dos Poderes de cada ente. Além disso, nesse ponto, o relator considerou inconstitucional a limitação entre os Poderes dentro de cada ente (art. 20). Embora o argumento se relacione mais diretamente com a autonomia dos Poderes do que dos entes, o relator deixou expressa a importância das especificidades de cada ente na fixação do limite, deixando relevante a autonomia dos entes dentro do federalismo fiscal.

Lei Complementar nº 229/2009

Atualmente, a discussão sobre normas gerais e liberdade dos entes no federalismo está sendo retomada no projeto de Lei Complementar nº 229 de 2009. Esse projeto pretende alterar a LRF ao veicular norma geral de Direito Financeiro sobre plano, orçamento, controle e contabilidade pública, além de responsabilidade no processo orçamentário e na gestão financeira, contábil e patrimonial.

O teor do parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sobre esse projeto de lei apontou uma preocupação de se reduzir demasiadamente o nível de detalhamento dos dispositivos da lei, sendo necessário preservar alguma flexibilidade dos entes da federação. É um exemplo das disputas de conteúdo das normas gerais de Direito Financeiro que pode definir um espaço ainda restante para a autonomia dos entes subnacionais, ou, de outro lado, a maior intervenção federal dos entes subnacionais.

Leis de responsabilidade fiscal em âmbito estadual

Outra disputa atual é sobre o estabelecimento de leis de responsabilidade fiscal em âmbito estadual. Alguns estados, como o Rio Grande do Sul, estão aprovando leis com limites mais rígidos do que os estipulados na LRF. Por exemplo, estão propondo limites estaduais para reajustes de salários de servidores e aumentos de despesas em geral. Resta o questionamento sobre o limite entre a autonomia e competência dos entes quanto ao estabelecimento de regras específicas relativas ao Direito Financeiro e o estipulado na norma geral. 

É importante ressaltar que o objetivo da norma geral é padronizar minimamente as normas para convivência dos entes da federação, conservando suas autonomias. A tensão existente nesse debate depende do momento político econômico do país. Houve momentos históricos, como na Constituição Federal de 1988, em que havia uma tendência a aumentar a autonomia dos entes, mas houve momentos em que se tinha o contrário, como no final dos anos 80 e começo dos anos 2000, com a discussão e aprovação da LRF.

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