Definição, previsão legal e finalidades

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Neta aula, vamos começar a estudar o instituto da audiência de custódia. Trata-se de uma “novidade jurídica” regulada pelo CNJ em 2015 que ainda não foi implementada em todas as comarcas brasileiras. No entanto, sua previsão legal data de tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil nos anos de 1990 e sua finalidade é, sobretudo, de consolidar a política de direitos humanos no Brasil.

O que é audiência de custódia?

É a apresentação pessoal do preso ao juiz competente logo após o cerceamento da liberdade. Nessa oportunidade, o magistrado deverá analisar, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, se houve, por exemplo, prática de tortura e maus tratos pelos policiais, bem como observar a possível necessidade de imposição de medidas cautelares prisionais ou não prisionais.

Para ficar mais fácil de entender, vamos imaginar uma prisão em flagrante. Um sujeito é suspeito de ter furtado a bolsa de uma senhora, quando é surpreendido pela polícia. Pela sistemática de antes da regulamentação da audiência de custódia, o suspeito deveria ser conduzido à delegacia de polícia, oportunidade em que seria interrogado e, posteriormente, seria lavrado o auto de prisão em flagrante, o qual seria remetido ao juiz competente. O magistrado, então, deveria decidir pela imposição da prisão preventiva ou pela concessão da liberdade provisória.

Com a regulamentação da audiência de custódia, houve algumas alterações nesse procedimento. Após o preso ser conduzido à delegacia de polícia e o auto de prisão em flagrante ser lavrado, tanto este documento quanto o próprio preso devem ser levados até a presença de juiz competente, oportunidade em que haverá uma verdadeira audiência, com a participação da acusação e da defesa. Depois de ouvidas as partes, o magistrado deverá decidir pela imposição de medidas cautelares prisionais ou pela concessão da liberdade provisória (que pode vir com ou sem medidas cautelares não prisionais).

Previsão legal

Audiência de custódia é um assunto antigo e recorrente nos tratados de direitos humanos celebrados internacionalmente. O Brasil, entretanto, não seguia à risca as disposições.  No Pacto de San José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos (assinado em 1969 e ratificado pelo Brasil em 1992), a audiência de custódia está prevista no art. 7º, item 5, cuja redação é a que se segue:

5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1966 e ratificado pelo Brasil em 1992), em seu art. 9º, item 3, também dispõe sobre a audiência de custódia:

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

Entretanto, as disposições dos tratados internacionais são vagas. No Brasil, somente tendo esses tratados como base, não se fez possível realizar a audiência de custódia. Assim, no ano de 2015, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que a audiência de custódia era necessária e que deveria ser levada mais a sério, cada tribunal passou a regular o tema de forma discricionária. Isso gerou disparidades, porque, como cada estado tinha suas regras, umas eram mais favoráveis ao réu que as outras.

Procurando homogeneizar o tema, O CNJ editou a Resolução 213/2015, na qual regula minuciosamente o procedimento da audiência de custódia.

A regulamentação posta na Resolução 213/2015 e as resoluções estaduais anteriores enfrentaram enorme polêmica. Note-se que o conteúdo das referidas resoluções pode ser interpretado como de competência privativa do legislador federal (art. 22, I, CF/88). Tais resoluções não seriam, então, inconstitucionais?

Constitucionalidade da Resolução 213/2015

Esse tema foi enfrentando pelo STF no julgamento da ADI 5240/2015. Em síntese, a associação dos Delegados de Polícia do Brasil alegou que as resoluções dos tribunais feririam a separação dos poderes, posto que o judiciário estivesse legislando e interferindo nas atribuições do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Polícia. Entretanto, o STF entendeu que o art. 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) autoriza que os direitos nela previstos sejam implementados por meio de leis ou por medidas administrativas, caso seja necessário.

O art. 2º da CADH tem a seguinte redação:

Artigo 2. Dever de adotar disposições de direitos humanos.

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Os direitos fundamentais são tão importantes que podem ser regulados tanto por leis quanto por medidas administrativas, desde que o objetivo destas seja implementá-los.

Como a audiência de custódia ainda não existe na legislação brasileira, os tribunais puderam licitamente regular o tema, ainda que pela via administrativa.

Finalidades da audiência de custódia

São três:

  1. Adequar melhor o processo penal brasileiro às determinações dos tratados internacionais, posto que o Brasil ratificou a CADH em 1992 e ainda não havia implementado a audiência de custódia até o ano de 2015.
  2. Colocar, frente a frente, preso e magistrado, fazendo que o juiz entenda que se trata de uma pessoa humana que ele está julgando. Muitos entendem que isso aprimoraria, tornando mais justa, a forma pela qual as decisões de conversão da prisão em flagrante em preventiva ou de concessão da liberdade provisória são proferidas.
  3. Fiscalizar melhor a atuação dos maus policiais que torturam presos ou negligenciam seus direitos após tê-los capturado.
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