Natureza Jurídica do Casamento

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Aspectos introdutórios

O conceito de família no Direito Civil brasileiro vem sofrendo diversas transformações por conta das mudanças sociais que vêm acontecendo. Com isto, o conceito primário que tínhamos de “família”, hoje, ganhou contornos diferentes, e isto pede que o direito o acompanhe. Contudo, pode-se dizer que o Código Civil de 2002 manteve-se um pouco resistente a esta premissa de “acompanhar a sociedade”, optando pelo conservadorismo e, de certa forma, ignorando a pluralidade dada ao conceito de família previsto na Constituição Federal de 1988.

O Código Civil de 2002 tentou alcançar uma regulamentação mais dura sobre o casamento, que será nosso objeto de estudo.

Conceito de casamento segundo o Código de 2002

O casamento, para o Código Civil de 2002, é um instituto civil que estabelece uma comunhão plena de vida entre os cônjuges, como podemos extrair do art. 1.511:

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

Todavia, o Código também estabelece certas solenidades (protocolos) que o casamento deve ter para ser válido:

Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

A partir da leitura destes artigos, podemos observar que o casamento, sob a ótica do Código Civil de 2002, é construído com base nas solenidades legais, e a inobservância destas solenidades gera a nulidade ou anulabilidade do casamento, isto é, o casamento, para todos os efeitos, será considerado inválido.

Natureza Jurídica do casamento

Existem 3 principais doutrinas no Direito Civil brasileiro que falam sobre a natureza jurídica do casamento, são elas:

  1. Doutrina Individualista: ela leciona que o casamento é um acordo de vontades (ao dizer “sim”, as partes acordam firmar união uma com a outra), isto é, a vontade X de uma determinada pessoa encontra a vontade Y de outra pessoa e ambas acordam atingir a determinado fim jurídico: contrair matrimônio. Alguns autores dizem que o casamento é um “contrato de adesão”, porque seu aceite implica a aderência de ambos os contratantes quanto ao que se define no artigo 231 do Código Civil, sendo possível aos cônjuges somente dispor a respeito do regime de bens do casal.
    • Você sabe o que é um contrato de adesão? É aquele em que uma das partes apenas adere, concorda com as cláusulas estipuladas pela outra, sem alterá-las.
  2. Corrente Institucional: Já esta corrente fala que o casamento é uma instituição ou um conjunto de normas imperativas a que aderem os nubentes, ou seja, o casamento é uma instituição com normas e características próprias que devem ser obedecidas pelos noivos que escolherem participar dela, existindo e funcionando para toda a sociedade igualmente, não casuisticamente. Nesta teoria, também há que compete aos cônjuges a aceitação, ou não, de tudo o que implica este instituto.
  3. Corrente eclética: mais abstrata, esta corrente representa a junção da doutrina individualista (contrato de vontades) com a institucional (instituição). Ela leciona que o casamento é um ato complexo, com características híbridas. Pressupõe a natureza de contrato juntamente com a natureza de instituição social do casamento, ou seja, para se formar um laço matrimonial, sendo esta uma sociedade contratual, firma-se contrato, aderindo-se então aos moldes de uma instituição social. O conteúdo do casamento contrato, em outras palavras, traria justamente o conjunto de normas imperativas que representam a instituição casamento.

Por que o casamento seria como um contrato para boa parte da doutrina?

O casamento, como forma de contrato, possui natureza sui generis, ou seja, singular, sem semelhança com nenhum outro tipo de contrato.

O casamento seria um ato jurídico negocial porque ele possui forma solene (possui protocolos pré-estabelecidos que devem ser seguidos para ser válido), precisa também ser público (de portas abertas) para ter eficácia, além de ser um ato complexo, pois envolve regras mistas e especiais. Isto é, o casamento, além das regras pré-estabelecidas (gerais) também pode conter regras especiais (que dependem de declaração de vontade, e oficialidade e eficácia garantidas por atos do Estado) incluídas pelos noivos. Por exemplo: Maria e João pretendem se casar no dia 02 de janeiro de 2019. Juntos, vão ao cartório de sua cidade e lá manifestam expressamente o desejo de contrair matrimônio. No cartório, o atendente lista uma série de documentos que os noivos precisam levar ao cartório para iniciar os trâmites oficiais e as solenidades. João manifesta vontade de optar pelo regime da separação total de bens (os bens anteriores ao casamento, bem como os posteriores à sua existência, não sofrerão partilha, o que João tem ou venha a ter enquanto casado serão exclusivamente dele) e Maria dá a sua anuência.

O exemplo acima representa claramente os 3 elementos de dependência:
► declaração de vontade,
► oficialidade
► eficácia garantida por atos do Estado

A professora Maria Berenice Dias diverge um pouco do entendimento de casamento como contrato. Ela diz que o casamento seria um negócio jurídico especial, um “negócio de família”, por sua natureza preeminente sui generis. Por envolver conteúdo emocional, as regras de direito obrigacional não seriam integralmente aplicadas, visto que se tratam de condições absolutamente personalíssimas (intransferíveis a outras pessoas) e com características e direitos próprios aos noivos.

Peculiaridades

  • Interesse Estatal: em uma visão Estatal conservadora, o casamento é o ato que constrói a família, é célula criadora formadora da sociedade. A família vem sendo estudada desde a antiguidade como a célula social, o elemento estruturante da própria sociedade organizada. É em nome dessa “célula fetal” que o Estado assume certas posturas intervencionistas e que se interessa o Direito pelo casamento.
  • Nubentes: há o sentimento afetivo e desejo de se unir, de forma voluntária, invocando princípios e direitos da personalidade, além dos princípios constitucionais referentes à dignidade da pessoa humana como, por exemplo, o direito à liberdade, incluindo a liberdade de se casar com quem quer que seja, além da busca pela felicidade. Além disto, há o fator “apelo social” que leva muitos indivíduos a desejarem contrair algum matrimônio.
  • Direito de constituir comunhão de vida: diz-se também do poder de estabelecer matrimônio sem sofrer imposição ou restrição de qualquer parcela do Direito, sendo de livre decisão do casal os moldes de seu planejamento familiar -com exceção de hipóteses que venham a fugir da legalidade, as quais são vedadas e ensejam intervenção Estatal, e das hipóteses em que o Estado interfere para propiciar recursos educacionais e científicos ao livre exercício do direito à comunhão de vida-. De resto, o casal pode livremente determinar sobre a aquisição de bens, administração do patrimônio familiar, regime de bens matrimonial (art. 1639 CC), modelo de formação educacional, cultural e religiosa dos filhos, etc.. Vide artigo 1513 do CC:

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

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