Responsabilidade Civil Pressuposta

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O Risco da Atividade

ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, CC/2002

A segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do CC/2002 traz dois importantes elementos para o estudo da responsabilidade civil, quais sejam, atividade e risco. A atividade que enseja responsabilidade objetiva é uma sequência de atos que perduram e se repetem em certo intervalo de tempo.

No caso concreto, o agente do dano pode ser sancionado por um único ato do qual tenha resultado prejuízo, mas somente porque as circunstâncias indicam um contexto de organização, sendo a organização um ponto chave do conceito. A atividade deve ser voltada a uma atividade específica, podendo ser empresarial ou civil, lícita ou ilícita.

Estabelecido o critério para aferir o que é atividade, passa-se a análise dos pontos mais relevantes acerca do risco. Da mesma forma que o nexo causal e a culpa são vínculos que permitem a identificação do responsável pela reparação de um dano, o nexo de imputação permite individualizar o responsável pelo dano segundo a teoria objetiva.

Se a causalidade fosse critério suficiente na responsabilidade sem culpa, estaríamos diante de grave incerteza jurídica, pois agentes remotamente vinculados ao dano poderiam por ele responder, em razão da regressão ao infinito.

TEORIAS DO RISCO

As várias teorias do risco norteiam o critério de imputação. O risco pode ser definido como a potencialidade de dano ou como periculosidade ou falta de segurança.

Historicamente, a primeira teoria formulada foi a teoria do risco integral ou responsabilidade objetiva pura. Segundo os partidários dessa teoria, basta a existência de um dano para que exista o dever de reparar, sendo irrelevante o modo e a causa da sua ocorrência, mesmo quando há caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima. Um exemplo são as atividades nucleares.

A segunda teoria é a do risco-proveito. Segundo os irmãos Mazeaud, o dever de reparar o dano é imposto a quem aufere benefício com a existência do risco. A ideia do risco-proveito foi fundamental para desenvolver a teoria da responsabilidade civil objetiva.

Não obstante, hoje sofre diversas críticas, porque dentro da normalidade do negócio jurídico bilateral todas as partes o aproveitam. Além disso, há uma indefinição conceitual de proveito, o qual, no sentido vago, pode abranger qualquer ato natural do agir humano e, no sentido estrito e econômico, restringe a responsabilidade às atividades empresariais.

A próxima teoria é chamada de risco excepcional, anormal, exacerbado ou grave. Para aferição do que é excepcional é preciso ter como parâmetro o tipo médio da sociedade, havendo um retorno disfarçado à noção de culpa, por avalia a conduta em face de um padrão de diligência ideal.

A última teoria é a do risco criado, que atribui a responsabilidade a quem cria ou aumenta o risco. A responsabilidade nascida do risco criado é aquela que obriga a reparar os danos produzidos, mesmo sem culpa, por uma atividade que se exerce em seu interesse e sob sua autoridade. Basta que a vítima demonstre que teve sua esfera de direitos atingida.

Essa última teoria é adotada pelo CC/2002, conforme maioria da doutrina, além de ser a defendida por Caio Mário, Beatriz T. da Silva, Menezes Direito e Sérgio Cavallieri.

Abuso de Direito

O material recomendado para estudo é o artigo do professor Álvaro Vilaça de Azevedo, intitulado “Conceito de ato ilícito e abuso de direito” e o escrito pela professora Teresa A. Lopez, cujo título é “Exercício do direito e suas limitações – abuso de direito”, cada um apresentando uma abordagem diferente, sendo o artigo da professora Teresa Ancona a base para a aula, sendo pontualmente contrastado com o do professor Álvaro de Azevedo.

Abuso, em linguagem jurídica, é o uso excessivo de uma prerrogativa jurídica. O termo foi cunhado por François Laurent. Não obstante o reconhecimento do direito do réu, condenava-o por irregularidades no exercício do direito. Marcel Planiol sustenta que a expressão “abuso de direito” é contraditória, pois se há uso de direito, o ato é lícito.

A análise dos antecedentes históricos do abuso de direito pode-se destacar o direito romano e o direito medieval. Pelo direito romano, não haveria lesão de alguém pelo uso do próprio direito (qui iure suo utitur, neminel laedit). Por outro lado, há brocardos antigos no sentido de que nem tudo que é lícito é honesto (non omne quod licet honestum est). No direito romano, portanto, havia fórmulas casuísticas de proibição de atos que prejudicassem terceiros, especialmente no direito de vizinhança.

Na Idade Média havia a regra de emulação, sendo esta apresentada tanto como herança do direito romano quanto possuindo origem medieval. A emulação foi instrumento de ligação entre direito e moral e, por essa razão, não foi adotada pelo Código de Napoleão, que repudiava a visão ambígua entre direito e moral. Ou seja, o Código de Napoleão não previa o abuso de direito, mas os tribunais franceses foram os primeiros a proferir condenações do réu que exerce irregularmente seu direito.

No começo do século XX, apareceram as obras de Josserand e de Saleilles sobre o abuso de direito. Na França, o instituto manteve-se ligado à culpa e ao ato ilícito. Para Saleilles, seu fundamento era o exercício anormal do direito. Para Josserand, era a ausência de motivos legítimos segundo a finalidade econômico-social. Para Henri Capitant, era a intenção de prejudicar outrem. Para Georges Ripert, o ato contra a moral. Não há uma cláusula geral sobre o abuso de posições jurídicas, que poderão ser contratuais, extracontratuais e familiares.

Na Alemanha, a ideia de abuso de direito está prevista no §226 do BGB (Código Civil Alemão), pelo qual o exercício de um direito é inadmissível se tiver por fim exclusivo causar dano a outrem. Sua aplicação isolada mostrou-se insuficiente, razão pela qual era necessária a conjugação do §826, pelo qual aquele que atende contra os bons costumes e cause dano fica obrigado a indenizar, bem como do §242, o qual traz a cláusula geral da boa-fé objetiva.

O conceito de abuso de direito depende da teoria que lhe serve de base. Considerando o artigo 187 do CC/2002, a professora Teresa propõe o conceito de que o abuso de direito é o ato antijurídico cometido pelo titular de um direito que, ao exercê-lo, excede os limites impostos pelos valores éticos e sociais do sistema, principalmente a boa-fé, os bons costumes e a finalidade econômica e social do direito.

DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA

Existe divergência na doutrina sobre a autonomia dogmática do abuso de direito em relação ao direito subjetivo ou ao ato ilícito. Os que negam essa autonomia (Plainol, Ribert e Saleilles) enquadram o abuso de direito como modalidade de ato ilícito, no uso anormal ou irregular do direito subjetivo ou parte da responsabilidade civil.

Por outro lado, autores como Menezes Cordeiro e Castanheira Neves, sustentam que o abuso de direito é cláusula geral para todos os casos em que o exercício do direito não possa ser admitido pelo sistema jurídico. Falam de um axiologismo normativo que se impõe sobre prerrogativas individuais que não se restringem aos direitos subjetivos.

Essa parcela da doutrina também desvincula o abuso dos pressupostos da responsabilidade civil, da culpa e do ato ilícito. A autonomia em relação à culpa tem origem na teoria objetiva finalística, sendo o abuso de direito considerado como parte da responsabilidade civil. A sua contribuição é que dispensa a prova da culpa do agente, exigindo apenas a observação da conduta objetiva quanto ao direito. Há abuso quando o titular utiliza seu direito contra a finalidade social.

A desvinculação do ato ilícito também é interessante. O ato ilícito típico é a conduta que lesa direitos de outrem e gera obrigação de indenizar, ao passo que o ato abusivo se verifica no exercício de direito próprio, contrariando valores do sistema ou interesses de terceiros.

RESPONSABILIDADE CIVIL PRESSUPOSTA

A base teórica dessa aula é a tese de livre docência da professora Giselda Hironaka, que trata do tema da responsabilidade pressuposta. Parte-se de dois pressupostos: insuficiência da culpa para fundamentação do dever de indenizar em casos particulares e situações de injustiça a necessidade de se aguardar que o legislador preveja todas as situações fáticas de conformação da responsabilidade objetiva.

A professora busca a consolidação de um critério suficiente para garantir a reparação efetiva e adequada dos danos concretizados em razão das especificidades do modo contemporâneo de atuação humana. Busca um critério de imputação da responsabilidade, elevado à categoria de uma regra com valores aptos a serem legislados – importância de critérios para ressarcimento da vítima.

Não há ilusão de evitar todo perigo, mas sim promover a diminuição do dano pela adoção de medidas preventivas ou pela certeza de que o sujeito responderá pelos danos que causar por força de uma responsabilidade pressuposta, fundada em um padrão de imputação.

Essa pesquisa encontra correspondência no trabalho desenvolvido pela jurista Geneviève Schamps, que denominou o padrão da ação de expor a perigo ou colocar em risco (mise in danger). Visa a caracterizar situações que expõe as pessoas a determinados riscos, afastando as vertentes de exclusão da responsabilidade e, ao mesmo tempo, indicando responsáveis.

No direito suíço, o legislador introduziu um princípio geral de responsabilidade sem culpa, derivada de uma mise in danger bem definida – o risco qualificado, cuja simples realização justifica a reparação dos danos eventualmente sofridos pelas vítimas. Esse risco qualificado resulta da periculosidade contida em dada atividade e, por si, seria suficiente para interditar a sua prática.

Considerando a função social do desempenho da atividade perigosa, compensa-se o privilégio da autorização para exercer esse tipo de atividade pela imputação da responsabilidade de reparação dos danos eventualmente causados. Uma mise in danger otimizada corresponderia que a Gilselda Hironaka propõe como responsabilidade pressuposta, que pode ser resumida em função de suas principais características.

A primeira delas é a de que existe um fator qualitativo que é o risco caracterizado, ou seja, a potencialidade da atividade realizar um dano de grave intensidade. Essa potencialidade não pode ser afastada nem mesmo mediante adoção de diligências que se poderiam aplicar.

Há também um fator quantitativo referente à atividade, que se subdivide em probabilidade elevada – caráter inevitável do risco de ocorrência – e intensidade elevada – verificada segundo o índice elevado de ocorrências danosas oriundas da atividade.

As características necessárias para a criação de um padrão de responsabilidade que possa valer como uma regra geral. O critério geral deve:

  • descrever a potencialidade perigosa das atividades aptas a ensejar a responsabilização,
  • recomenda-se que não se constitua um rol taxativo que possa excluir situações fáticas não previstas,
  • o critério não deve ser flexível ou amorfo a ponto de comportar variáveis que não configurem efetiva potencialidade perigosa de uma atividade,
  • uma vez estabelecido o nexo causal entre o dano e a atividade perigosa, o executor da atividade deve ser considerado o responsável pela reparação
  • não se admite qualquer espaço para exoneração dos responsáveis pelo dano mediante a invocação de provas liberatórias – contraprovas nas presunções relativas,
  • não se admitem as excludentes de responsabilidade,
  • o regresso é eventualmente admitido, desde que ocorra em ação autônoma com demonstração de culpa.
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