Atos de Disposição do Próprio Corpo

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Atos de disposição do próprio corpo

 

Os artigos 13 e 14 do Código Civil referem-se aos atos e disposições acerca do próprio corpo. O assunto é bastante interessante e suscita discussões. Há algum tempo foi publicada uma notícia de que um garoto chinês de 17 anos havia vendido um de seus rins para comprar um iPad.

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

Seria possível que um garoto aqui no Brasil fizesse o mesmo? Quais são os limites de disposição do próprio corpo estabelecidos por nosso sistema? O sujeito capaz de exercer os atos da vida civil tem plena autonomia para dispor acerca do seu corpo?

O parágrafo único do artigo 13 ressalva em relação aos atos para fins de transplante na forma de Lei Especial. Essa Lei, no caso, é a Lei 9.434/97 que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.

Há nesse diploma diversas normas que nos ajudam a compreender os limites estabelecidos pelo legislador. O artigo 9º e seus parágrafos dispõem de maneira resumida que a pessoa juridicamente capaz pode dispor de forma gratuita de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo para fins terapêuticos ou com objetivo de transplante, desde que não represente risco para sua integridade física e mental e não ocasione mutilação ou deformação inaceitável.

A doação só é permitida quando se tratar de órgãos duplos, partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do corpo doador de continuar vivendo sem risco para sua integridade.

A interpretação desses dispositivos nos mostra com alguma clareza que no Brasil não seria possível a venda de órgãos nos moldes do que fizera o garoto chinês, a Constituição Federal ainda, no parágrafo 4º do artigo 199 veda qualquer tipo de comercialização.

O artigo 14 do Código Civil afirma válida a disposição gratuita do próprio corpo no todo ou em parte, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte. Inclusive é bastante comum a doação de corpos de pessoas falecidas para as universidades de forma a fornecer material para aprendizado de alunos.

A doutrina chama de consenso afirmativo o ato pelo qual a pessoa capaz manifesta a sua vontade no sentido de dispor gratuitamente do próprio corpo nas condições do artigo 14, podendo ser revogada a qualquer tempo nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo.

Contudo, é possível a retirada de tecidos, órgãos ou partes do falecido mediante a autorização de qualquer parente capaz, da linha reta ou colateral até o segundo grau, ou do cônjuge sobrevivente, instrumentalizada por um documento firmado por duas testemunhas presentes, nos termos do que prevê o artigo 4º da lei de transplantes.

Um assunto ainda bastante polêmico diz respeito aos transexuais que desejam realizar cirurgia de mudança de sexo. A partir de uma análise literal do artigo 13, seria possível concluir que a cirurgia em questão não poderia ser permitida, já que dificilmente seria tratado como exigência médica. Contudo, como explica o professor Adriano Ferriani, deve ser dada interpretação extensiva ao termo “exigência médica”, para que compreenda também recomendação ou conveniência, de modo que, em nome da dignidade da pessoa humana, e sua integridade psíquica, seja possível se proceder com a mutilação do órgão genital.

 

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