Apreensão e Apresentação a Autoridade Policial

Como vimos, às crianças que cometem atos infracionais são aplicadas medidas protetivas, que devem observar uma série de normas, parâmetros e cautelas com o fim de efetivar seus direitos e seu pleno desenvolvimento, e são periodicamente avaliadas.

As medidas não são aplicadas como forma de punição pela infração ou em gravidade proporcional ao dano da infração, mas têm o objetivo de solucionar o problema que aflige a criança em particular.

No caso dos adolescentes, são aplicadas medidas socioeducativas com os mesmos objetivos, que podem chegar a privar sua liberdade, mas a partir de procedimentos policiais e judiciais específicos, dos quais passamos a tratar.

Apreensão

O adolescente infrator pode ser apreendido por autoridade policial em duas hipóteses, conforme o artigo 106 do ECA:

  1. Por determinação judicial;
  2. Em flagrante ato infracional.

Determinação judicial

Um juiz pode determinar a apreensão de adolescente, no decorrer de um procedimento, em determinadas hipóteses relacionadas com os atos dos procedimentos:

  1. Quando o adolescente não for encontrado para comparecer à audiência de apresentação (art. 184, §3º do ECA);
  2. Para o cumprimento de medida socioeducativa de internação, caso o adolescente estiver em liberdade;
  3. Para o retorno de cumprimento de medida socioeducativa que já tiver sido imposta, se o adolescente estiver em fuga.

Flagrante ato infracional

Quanto ao flagrante, o procedimento de apreensão e apresentação à autoridade policial é minuciosamente disciplinado pelo ECA.

O conceito de flagrante é o mesmo determinado no Código de Processo Penal:

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Art. 303.  Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

 Nos casos em que não se configurar o flagrante mas houver indícios de participação de adolescente em ato infracional, a autoridade policial deverá proceder às investigações e encaminhar ao representante do Ministério Público os documentos correspondentes, para que se analise a necessidade de representação ao Juízo ou a possibilidade de arquivamento ou remissão (perdão).

Note, contudo, que estas diligências se dão enquanto o adolescente permanece em liberdade.

Caso se configure o flagrante, o adolescente poderá ser apreendido e encaminhado à autoridade policial especializada, com as seguintes garantias:

  1. Conhecer a identificação dos responsáveis por sua apreensão, que devem lhe informar de seus direitos (art. 106, parágrafo único do ECA);
  2. Comunicação imediata da apreensão ao juiz competente e à família do adolescente, ou a pessoa que este indicar (art. 107 do ECA);
  3. O adolescente que já estiver civilmente identificado não pode ser constrangido à identificação policial (art. 109 do ECA);
  4. O adolescente não pode ser transportado em compartimento fechado de veículo policial em condições que atentem contra sua dignidade ou que coloquem em risco sua integridade física (art. 178 do ECA).
 Atenção: apesar de proteger a dignidade e integridade do adolescente quanto ao transporte em viatura policial, o ECA não apresenta nenhuma restrição ao uso de algemas, que, em regra, pode acontecer em caso de resistência ou violência do adolescente, nos termos do art. 292 do CPP.

Uma vez configurada a flagrância de ato infracional, o adolescente apreendido será conduzido à delegacia especializada em adolescentes.

Caso o ato tenha sido cometido em concurso com adultos, todos deverão ser levados à delegacia especializada em adolescentes e, realizadas as diligências necessárias (lavratura de auto de apreensão ou boletim de ocorrência, oitiva dos apreendidos e testemunhas, etc.), os adultos serão encaminhados à repartição própria (art. 172, parágrafo único do ECA).

A apreensão deve ser devidamente formalizada, conforme o ato infracional apurado. A autoridade policial deve buscar esclarecer os termos do ato infracional flagrado pelos depoimentos do adolescente e das testemunhas.

Constatado que o ato foi cometido mediante violência ou grave ameaça, a apreensão segue formalidades específicas determinadas no art. 173 do ECA:

Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá:

I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;

II - apreender o produto e os instrumentos da infração;

III - requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.

Nos demais casos, o procedimento pode ser simplificado, uma vez que, em regra, não pode ser aplicada a medida excepcional de internação aos atos infracionais cometidos sem violência ou grave ameaça.

Assim, nestes casos, é possível que se registre apenas Boletim de Ocorrência circunstanciado para agilizar o atendimento na repartição policial, com o mínimo constrangimento ao adolescente.

Em qualquer hipótese, contudo, os objetos utilizados no ato infracional serão apreendidos, com lavratura do correspondente laudo, podendo ser ainda requisitada perícia para comprovar a materialidade e autoria do ato.

Formalizada a apreensão e o flagrante, conforme estes requisitos, o adolescente deve ser desde logo colocado em liberdade, sendo entregue aos pais ou responsáveis sem que seja condicionado ao pagamento de fiança.

 A única condição para a liberação do adolescente aos pais é a assinatura de termo de responsabilidade, para que se apresente a um representante do Ministério Público no mesmo dia ou no dia útil imediato (art. 174 do ECA).

Com a liberação do adolescente, a autoridade policial deve encaminhar imediatamente ao Ministério Público a cópia do auto de apreensão ou do boletim de ocorrência (art. 176 do ECA).

Nos procedimentos que envolvem crianças e adolescentes, o Ministério Público tem atuação preponderante, com a função de garantir seus direitos fundamentais e seu desenvolvimento, para além de apurar, devidamente, a ocorrência de ato infracional e a possibilidade de arquivamento ou remissão.

Excepcionalmente, pode ser mantida a apreensão do adolescente, nos casos em que o ato for grave e apresentar repercussão social. Estes dois requisitos devem apresentar-se cumulativamente, devendo ainda restar demonstrada a necessidade imperiosa da medida para garantir a proteção pessoal do adolescente ou a ordem pública.

O art. 108 do ECA também prevê que a internação provisória só pode ser determinada se estiverem presentes indícios suficientes de autoria e materialidade, e pelo prazo máximo de 45 dias.

No caso da manutenção da apreensão do adolescente, o STJ ainda entende que a medida só é possível nas hipóteses em que é juridicamente admissível, em tese, a aplicação da medida socioeducativa de internação (HC-ECA nº 0576735-3).

  • Para entender melhor – criança apreendida em flagrante: se uma criança (menor de 12 anos) for apreendida em flagrante ato infracional, deve ser levada ao Conselho Tutelar para que receba as medidas protetivas que se fizerem necessárias, e não à autoridade policial. Contudo, como o Conselho Tutelar não tem atribuição de investigação policial, a polícia judiciária ainda tem a prerrogativa e o dever de investigar o fato e tomar as providências necessárias para seu esclarecimento, apurando eventual participação de adultos, apreendendo objetos utilizados ou o produto do ato infracional, podendo inclusive ouvir a criança na condição de informante, na presença de seus pais ou responsáveis.
Encontrou um erro?